Nos Estados Unidos, quem equipa, treina e provê os meios para os comandos regionais é o Estado-Maior Conjunto. Cada um deles se encarrega do comando operacional. Os cinco comandos regionais que têm sua própria frota dispõem de uma estrutura de planejamento de longo prazo que o Comando Sul até agora não tinha.
“Nas reuniões, enquanto os outros são representados por almirantes de três estrelas, o Comando Sul manda um capitão-de-mar-e-guerra (equivalente a coronel), e não é a mesma coisa”, explica Thomaz Guedes da Costa, professor da Universidade de Defesa Nacional (NDU), em Washington. “Quem não tem quadro administrativo para planejamento e orçamento, não realiza.” Essa era uma situação à qual dificilmente o almirante Jim Stavridis, chefe do Comando Sul, se resignaria.
Visionário, ambicioso e influente, ex-assessor do ex-secretário de Defesa Donald Rumsfeld, Stavridis é cotado para se tornar chefe do Estado-Maior Conjunto ou do Conselho de Segurança Nacional. Sendo oficial da Marinha - assim como o chefe do Estado-Maior Conjunto, almirante Michael G. Mullen -, “ele olha para baixo, vê o Caribe e pensa numa solução naval”, explica Costa.
Mais do que uma decisão administrativa e uma medida do status do chefe do Comando Sul, o restabelecimento da 4ª Frota está ligado a duas tendências na estratégia militar americana, dizem os especialistas: uma visão global de segurança e a percepção de que ela é mantida preponderantemente pelo poder naval.
De acordo com Salvador Raza, que trabalhou no Pentágono entre 1999 e 2005 e hoje dá aulas justamente desse tema na NDU, a percepção de ameaças já não orienta mais o projeto de forças dos EUA. As forças não são projetadas, por exemplo, para enfrentar a ameaça específica do narcotráfico, mas para garantir a segurança no Caribe, por onde passam as rotas das drogas. E os meios para “dar conta” de uma região estão disponíveis globalmente, sendo deslocados para lá quando necessário.
Esse conceito é chamado Guerra Baseada em Rede (NCW, na sigla em inglês). Ele foi desdobrado inicialmente na fórmula 1 + 2, ou seja, a capacidade de estar em combate em uma parte do globo e de simultaneamente enfrentar duas grandes crises que ainda não demandam ação militar em outras regiões. Essa fórmula foi acrescida de um “i” (1 + 2 + i), que significa “gerar ações dissuasivas com mais intensidade”, explica Raza, capitão-de-mar-e-guerra da reserva.
Segundo Raza, que atuou no planejamento da invasão do Iraque, a 4ª Frota está sendo pensada menos para agir no Atlântico Sul do que para apoiar ações no Golfo Pérsico, para onde pode se deslocar em 16 horas. O Plano de Obtenção de Meios, que determina a alocação para cada região, limitou em 60 o número de aviões no Golfo. “Seria arrogante imaginar que a 4ª Frota está sendo projetada por causa do Brasil”, diz Raza. “Ela manda uma mensagem para o mundo inteiro: ‘Temos capacidade ampliada para sustentar ações de combate’.”
De qualquer forma, a 4ª Frota já estava no planejamento da Marinha brasileira, diz João Roberto Martins Filho, presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa. Sua doutrina básica é chamada de “negação do mar” - uma transposição da guerra de guerrilha para o ambiente naval. O raciocínio é simples: como o Brasil não tem condições de enfrentar potências militares, deve capacitar-se para aumentar o custo de uma incursão na costa brasileira.
Em vez de confronto aberto e direto, a estratégia é aparecer e desaparecer de surpresa, submergindo, voltando para a base ou deslocando-se para longe, de modo que o inimigo nunca saiba se está correndo riscos ou não. Daí a importância dada aos submarinos pela Marinha brasileira. De acordo com Martins, a Marinha considera que não tem, hoje, sequer essa capacidade: é o seu objetivo.