Emboscada lançada supostamente por milícia apoiada pelo governo sudanês mostra precariedade da força de paz
Jamil Chade
Sete soldados da força de paz conjunta das Nações Unidas e da União Africana, a Unamid, morreram e outros 23 ficaram feridos terça-feira numa emboscada na região sudanesa de Darfur, informou ontem a ONU. O ataque, lançado supostamente por milícias apoiadas pelo governo do Sudão, foi o pior sofrido pela Unamid, que iniciou sua missão em 31 de dezembro.
Os soldados haviam sido enviados para verificar informações de que a guerra em Darfur havia sido retomada com intensidade no fim de semana. Segundo diplomatas em Cartum, o país está à beira de um conflito generalizado e as relações entre a ONU e o governo do Sudão estão estremecidas.
O ataque ocorreu no Estado de Darfur do Norte, região visitada pelo Estado durante o confronto, que durou quatro horas. Munidos de armas antiaéreas e antitanque, cerca de 200 milicianos em 40 veículos e camelos emboscaram um comboio da Unamid nas proximidades de Um Hakibahr.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou o "ato inaceitável de extrema violência" e pediu que o governo sudanês identifique, capture e leve a julgamento os responsáveis.
Morreram na emboscada cinco ruandeses, um ganense e um ugandense da força de paz. Os "capacetes-azuis" haviam sido enviados em missão de reconhecimento de uma região que teria sido atacada no fim de semana. Um militar da ONU confirmou que o conflito entre rebeldes e forças prógoverno foi retomado "com toda a intensidade" no fim de semana.
Quanto aos ataques que têm sido lançados com freqüência cada vez maior contra a missão da ONU, a suspeita é que sejam obra de milicianos janjaweeds ("cavaleiros diabólicos"), que se transformaram em aliados do governo sudanês na luta contra os rebeldes. "Estamos vendo uma deterioração diária da situação", afirmou ao Estado o porta-voz da Unamid, Daniel Adekera.
Oficiais da ONU passaram a ser o alvo preferido das milícias. Mas o governo insiste que "nada de grave" ocorre com os capacetes-azuis. "Damos todo nosso apoio à operação de paz da ONU", disse o governador de Darfur do Norte, Mohamed Osman Kibir.
FIASCO
Esta deveria ser a mais cara e maior operação de paz da ONU, com custo de US$ 2 bilhões por ano. Mas a missão em Darfur está se transformando em um dos principais fiascos das Nações Unidas nos últimos anos. A reportagem foi ao QG da Unamid em Al-Fasher, em plena zona de guerra, e ouviu dos próprios comandantes que sem soldados, equipamentos nem mandato definido, a ONU não consegue impedir os roubos de carregamentos de alimentos, os estupros nos campos de refugiados e as mortes de civis.
O Conselho de Segurança da ONU havia estabelecido que 26 mil soldados da Unamid deveriam ser distribuídos por Darfur. Mas foram enviados apenas 9 mil. Humilhados, os capacetes-azuis admitem: não têm como conter a guerra, que já matou entre 200 mil e 300 mil pessoas em seis anos.
"Existe um soldado a cada 12 quilômetros", explicou Adekera. Em um território do tamanho da França e com milícias armadas, a presença de apenas 9 mil soldados é um risco à própria vida dos membros da Unamid. Depois de muita pressão, o governo do Sudão aceitou as tropas, com a condição de que a operação de paz contaria apenas com soldados africanos.
Enquanto os líderes mundiais pedem atenção para o conflito em Darfur, 70 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas por causa do conflito nos últimos seis meses - o total em seis anos chega a quase 3 milhões. Há quase 30 grupos lutando entre si ou contra o governo. Nas poucas estradas que existem, cada trecho é controlado por um grupo armado que cobra pedágio. Em maio, um carro ou caminhão de alimentos da ONU foi seqüestrado por dia.
As Nações Unidas sabem que não contam com o apoio de que precisariam dos países do Ocidente. Mas também culpam o governo do Sudão pela situação, por exigir que as tropas sejam apenas africanas, o que limita o poder da ONU. Enquanto o governo importa armas da China e de outros países e as milícias recebem ajuda do Chade e supostamente da Líbia, a ONU não consegue nem os 24 helicópteros de guerra que pediu no ano passado.
"Como é que podemos funcionar assim?", questiona Adekera. Os soldados de Nigéria, Ruanda, Senegal e África do Sul estão estabelecidos em plena zona de guerra, sem poder intervir em massacres em vilarejos ou garantir a entrega de alimentos aos que sobrevivem aos ataques.
O governo do Sudão, como de costume, nega a existência de problemas. "As tropas estão atuando normalmente", afirmou o vice-ministro da Justiça, Abdoldaem Mohamedain Ali Zomrawi.
Segundo diplomatas estrangeiros, um dos motivos para o governo ter impedido tropas de fora da África seria tático: evitar uma força internacional que de fato possa funcionar. Mas outro motivo seria o temor de que tropas ocidentais possam acabar prendendo algumas autoridades sudanesas indiciadas pela Corte Penal Internacional, entre elas um ministro do regime do marechal Omar al-Bashir. A corte os acusa de crimes de guerra e contra a humanidade. Mas Cartum diz que jamais entregará um sudanês para julgamento internacional.
"Trata-se de um processo político. Não há provas contra as pessoas que a corte quer que entreguemos", disse Zomrawi. "Além disso, nosso sistema judicial está lidando com os casos de crimes em Darfur." Sem colaborar, o Sudão deve enfrentar novas sanções.
Mas o caos político na ONU também agrava o problema. A organização ainda não conseguiu fechar um contrato com empresas militares para construir quartéis em Darfur. Há dois meses, um contrato havia sido dado para a gigante americana Lockheed Martin. Sob protestos dos países africanos, a ONU teve de cancelar o acordo, feito sem licitação. As Nações Unidas justificaram que se tratava de uma questão de urgência, mas não convenceram os países africanos. Num campo de refugiados nas proximidades de Al-Fasher, os soldados só aparecem em uma ocasião: para proteger o comandante da força de paz em visita ao local.
Os soldados haviam sido enviados para verificar informações de que a guerra em Darfur havia sido retomada com intensidade no fim de semana. Segundo diplomatas em Cartum, o país está à beira de um conflito generalizado e as relações entre a ONU e o governo do Sudão estão estremecidas.
O ataque ocorreu no Estado de Darfur do Norte, região visitada pelo Estado durante o confronto, que durou quatro horas. Munidos de armas antiaéreas e antitanque, cerca de 200 milicianos em 40 veículos e camelos emboscaram um comboio da Unamid nas proximidades de Um Hakibahr.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, condenou o "ato inaceitável de extrema violência" e pediu que o governo sudanês identifique, capture e leve a julgamento os responsáveis.
Morreram na emboscada cinco ruandeses, um ganense e um ugandense da força de paz. Os "capacetes-azuis" haviam sido enviados em missão de reconhecimento de uma região que teria sido atacada no fim de semana. Um militar da ONU confirmou que o conflito entre rebeldes e forças prógoverno foi retomado "com toda a intensidade" no fim de semana.
Quanto aos ataques que têm sido lançados com freqüência cada vez maior contra a missão da ONU, a suspeita é que sejam obra de milicianos janjaweeds ("cavaleiros diabólicos"), que se transformaram em aliados do governo sudanês na luta contra os rebeldes. "Estamos vendo uma deterioração diária da situação", afirmou ao Estado o porta-voz da Unamid, Daniel Adekera.
Oficiais da ONU passaram a ser o alvo preferido das milícias. Mas o governo insiste que "nada de grave" ocorre com os capacetes-azuis. "Damos todo nosso apoio à operação de paz da ONU", disse o governador de Darfur do Norte, Mohamed Osman Kibir.
FIASCO
Esta deveria ser a mais cara e maior operação de paz da ONU, com custo de US$ 2 bilhões por ano. Mas a missão em Darfur está se transformando em um dos principais fiascos das Nações Unidas nos últimos anos. A reportagem foi ao QG da Unamid em Al-Fasher, em plena zona de guerra, e ouviu dos próprios comandantes que sem soldados, equipamentos nem mandato definido, a ONU não consegue impedir os roubos de carregamentos de alimentos, os estupros nos campos de refugiados e as mortes de civis.
O Conselho de Segurança da ONU havia estabelecido que 26 mil soldados da Unamid deveriam ser distribuídos por Darfur. Mas foram enviados apenas 9 mil. Humilhados, os capacetes-azuis admitem: não têm como conter a guerra, que já matou entre 200 mil e 300 mil pessoas em seis anos.
"Existe um soldado a cada 12 quilômetros", explicou Adekera. Em um território do tamanho da França e com milícias armadas, a presença de apenas 9 mil soldados é um risco à própria vida dos membros da Unamid. Depois de muita pressão, o governo do Sudão aceitou as tropas, com a condição de que a operação de paz contaria apenas com soldados africanos.
Enquanto os líderes mundiais pedem atenção para o conflito em Darfur, 70 mil pessoas tiveram de abandonar suas casas por causa do conflito nos últimos seis meses - o total em seis anos chega a quase 3 milhões. Há quase 30 grupos lutando entre si ou contra o governo. Nas poucas estradas que existem, cada trecho é controlado por um grupo armado que cobra pedágio. Em maio, um carro ou caminhão de alimentos da ONU foi seqüestrado por dia.
As Nações Unidas sabem que não contam com o apoio de que precisariam dos países do Ocidente. Mas também culpam o governo do Sudão pela situação, por exigir que as tropas sejam apenas africanas, o que limita o poder da ONU. Enquanto o governo importa armas da China e de outros países e as milícias recebem ajuda do Chade e supostamente da Líbia, a ONU não consegue nem os 24 helicópteros de guerra que pediu no ano passado.
"Como é que podemos funcionar assim?", questiona Adekera. Os soldados de Nigéria, Ruanda, Senegal e África do Sul estão estabelecidos em plena zona de guerra, sem poder intervir em massacres em vilarejos ou garantir a entrega de alimentos aos que sobrevivem aos ataques.
O governo do Sudão, como de costume, nega a existência de problemas. "As tropas estão atuando normalmente", afirmou o vice-ministro da Justiça, Abdoldaem Mohamedain Ali Zomrawi.
Segundo diplomatas estrangeiros, um dos motivos para o governo ter impedido tropas de fora da África seria tático: evitar uma força internacional que de fato possa funcionar. Mas outro motivo seria o temor de que tropas ocidentais possam acabar prendendo algumas autoridades sudanesas indiciadas pela Corte Penal Internacional, entre elas um ministro do regime do marechal Omar al-Bashir. A corte os acusa de crimes de guerra e contra a humanidade. Mas Cartum diz que jamais entregará um sudanês para julgamento internacional.
"Trata-se de um processo político. Não há provas contra as pessoas que a corte quer que entreguemos", disse Zomrawi. "Além disso, nosso sistema judicial está lidando com os casos de crimes em Darfur." Sem colaborar, o Sudão deve enfrentar novas sanções.
Mas o caos político na ONU também agrava o problema. A organização ainda não conseguiu fechar um contrato com empresas militares para construir quartéis em Darfur. Há dois meses, um contrato havia sido dado para a gigante americana Lockheed Martin. Sob protestos dos países africanos, a ONU teve de cancelar o acordo, feito sem licitação. As Nações Unidas justificaram que se tratava de uma questão de urgência, mas não convenceram os países africanos. Num campo de refugiados nas proximidades de Al-Fasher, os soldados só aparecem em uma ocasião: para proteger o comandante da força de paz em visita ao local.