Há mais de uma maneira de ir-se às compras no bazar das armas. Há governos, por exemplo, que simplesmente anunciam que precisam reequipar suas Forças Armadas. Outros, como o da Venezuela de Hugo Chávez, alegam que estão se armando até os dentes para enfrentar um inimigo externo - no caso, a ameaça imaginária da invasão pelo Império. Há, ainda, aqueles que douram a pílula, apresentando o que não passa de uma transação comercial como um ato de transcendental importância que dará ao país que representam uma nova e maior dimensão no concerto das nações.
É o que está fazendo o ministro Nelson Jobim, em sua visita a vendedores de Armamentos na França e na Rússia. "Não estamos aqui para comprar, mas para estabelecer uma relação maior que a de comprador e vendedor", afirmou ele em Paris. "Queremos uma aliança estratégica para remodelar o Plano Estratégico Nacional de Defesa."
Em que consiste essa "aliança estratégica" ninguém sabe - nem o ministro, que não foi capaz de detalhar um acordo bilateral que prevê a livre circulação de militares entre os dois países. Mas os membros do governo Lula gostam da expressão, que usam a granel. Aproveitando esse viés, o ministro da Defesa da França - que é um bom vendedor dos produtos bélicos de seu país - foi na onda.
"Queremos que o Brasil seja o maior parceiro estratégico da França na América Latina, assim como queremos que a França seja o parceiro estratégico do Brasil na Europa." São palavras agradáveis de ouvir e, por incrível que pareça, há quem acredite nesse tipo de conversa. Há alguns anos, por exemplo, o presidente Carlos Menem acreditou - ledo engano! - que o título de "aliado estratégico" da OTAN colocaria a Argentina no convívio íntimo dos grandes deste mundo.
O Brasil precisa substituir os equipamentos de suas Forças Armadas, que estão sucateados. E faz bem o ministro da Defesa em procurar no mercado as melhores armas, nas melhores condições de aquisição. Mas é preciso ter os pés no chão. O presidente Nicolas Sarkozy não abriu espaço em sua agenda para receber o ministro Nelson Jobim porque haverá uma "aliança estratégica", mas porque o Brasil pode voltar a ser um bom freguês da indústria bélica francesa, porque em breve haverá um encontro presidencial e porque estão sendo preparadas as comemorações do "Ano da França no Brasil", que certamente serão marcadas pela assinatura de acordos de cooperação em várias áreas.
E ter os pé no chão significa não alimentar ilusões sobre o alcance das transações que poderão ser feitas. O ministro da Defesa deixou-se convencer por certos setores militares de que o Brasil só deve comprar equipamento se este vier acompanhado de transferência de tecnologia. No plano teórico, essa é uma boa orientação. No campo prático, essa condição inviabiliza negócios.
"Não havendo transferência de tecnologia, o negócio não nos interessa", afirmou o ministro Jobim a respeito da possível compra de caças franceses de última geração. O projeto desses aviões custou alguns bilhões de euros à Dassault e ao governo francês que, obviamente, não transferirão essa cara tecnologia em troca da venda de duas dúzias de caças.
O ministro também espera receber a tecnologia de construção de submarinos nucleares, como compensação pela compra de um número ainda não definido de submarinos convencionais franceses.
Nas atuais circunstâncias, o estaleiro DCNS ficaria muito satisfeito com a venda de dois desses submarinos e até poderia construí-los no Brasil. Mas de maneira alguma - nem por isso nem por negócio de vulto muitíssimo maior - o governo francês passaria ao brasileiro tecnologia sensível, protegida por normas internas severas e por regimes internacionais de não-proliferação.
Há mais de duas décadas a Marinha iniciou um projeto de construção de um submarino de propulsão nuclear. Mas os recursos, que no início eram suficientes para o desenvolvimento de algumas etapas do projeto, foram escasseando. Isso ocorreu porque o governo jamais considerou que a construção de submarinos nucleares fosse essencial à defesa nacional. Houve mesmo quem considerasse que o projeto não passava de um capricho de certos setores da oficialidade naval. O governo Lula anunciou a retomada do projeto. Mas ficou no anúncio. É o que torna bombástico o tom das declarações do ministro da Defesa.