Carlos Lorch
As Ilhas Falklands/Malvinas ficam no Atlântico Sul, a 3.886 milhas náuticas da Ilha de Ascensão, esta, uma pequena elevação vulcânica localizada no meio do Atlântico, equidistante entre o Brasil e a África, e mais ou menos no través de Salvador, na Bahia. Apesar de ser uma possessão britânica, a ilha é usada, por empréstimo pelos Estados Unidos que operam aeronaves militares da Base Aérea de Wideawake, que possui uma pista de pouso única medindo 3.054 m. Durante a guerra, em abril, maio e junho de 1982, ela foi o ponto avançado das forças britânicas que se empenharam na retomada das ilhas.
A pista asfaltada de Port Stanley, previamente utilizada apenas por aeronaves civis, deixava os ingleses preocupados. Se fosse estendida pela Força Aérea Argentina, ja-tos de combate poderiam obrigar a força-tarefa despachada para a retomada das ilhas a operar de uma distância tão grande que suas aeronaves Sea Harrier, reconhecidamente de pouco alcance e autonomia, perderiam as vantagens operacionais que tinham sobre seus oponentes: o treinamento de suas tripulações e os mísseis de geração mais moderna. Caso operassem mais perto das ilhas, a frota britânica estaria sob a ameaça de aeronaves de ataque capazes até de afundar um dos dois porta-aviões britânicos em volta dos quais estava baseado o esforço de combate da Royal Navy.
O número de aeronaves argentinas capazes de operar no teatro de operações também preocupava os britânicos uma vez que no início dos combates eles só poderiam contar com cerca de 20 jatos. A guerra encontrara a Grã-Bretanha no meio de uma reestruturação de suas forças armadas, devido principalmente a uma mudança no balanço de forças entre a Otan e o Pacto de Varsóvia. Suas forças aéreas, tanto a RAF quanto a Fleet Air Arm, da Marinha, mudavam seu enfoque que criara uma força eminentemente estratégica para outra de cunho tático.
Poucas aeronaves britânicas possuíam alcance suficiente para chegar às Falklands/Malvinas. E só uma delas era capaz de fazê-lo com armamento suficiente para causar danos à pista do aeroporto de Stanley.
O Avro Vulcan era um bombardeiro nuclear de configuração em delta com uma envergadura de 30,18 metros e peso máximo de decolagem de 77.111 kg. Fazia parte do trio de aeronaves construídas na década de 50 para serem a principal arma de dissuasão do Reino Unido, os bombardeiros V: Vulcan, Valiant e Victor. Em 1982, o Valiant já havia dado baixa, o Victor havia sido transformado em rea-bastecedor aéreo e aeronave de reconhecimento, e a maior parte dos Vulcan já havia sido desativada. Com a guerra requisitando seus serviços, os bombardeiros foram preparados para o combate.
Três Vulcan, escolhidos a dedo nos Esquadrões 44, 50 e 101 foram despachados para a base norte-americana de Wideawake, na Ilha de Ascensão, de onde operariam contra as forças argentinas nas Ilhas Falklands/Malvinas. Antes de deixarem a Grã-Bretanha, sofreram algumas modificações visando ao tipo de combate que enfrentariam no Atlântico Sul. Na Base de Waddington, em Lincoln, receberam probes de reabastecimento há muito desativados, e os pilotos voltaram a treinar o REVO com os Victor. O equipamento lançador de bombas convencionais substituiu as bombas nucleares que há algum tempo constituíam o armamento padrão daqueles grandes bombardeiros. Agora, poderiam levar 21 bombas convencionais de 1.000 libras cada. Cada avião recebeu também o sistema inercial Carroussel para que conseguisse navegar com mais precisão sobre as vastidões do Atlântico. A capacidade de combustível do grande bombardeiro era de cerca de 41.800 kg. de querosene, o que nem de perto permitia um voo de ida e volta até o teatro de operações que ficava a 4.000 milhas náuticas dali. Os ingleses montaram então uma longa linha de reabastecimento composta por 11 Victor que se reabasteceriam no caminho posicionando-se para completar cinco vezes o tanque do Vulcan na ida e mais uma na volta, quando retornaria em altitude e, portanto, gastando bem menos combustível do que na ida. Alguns dos Victor decolariam somente para reabastecer um outro Victor. Seria uma missão extremamente precisa. Outros dois Victor permaneceriam em Wideawake como aeronaves-reserva. Ao todo, 998.800 kg de querosene seriam utilizados pelo Vulcan em cada missão!
A primeira missão Black Buck foi lançada na noite entre 30 de abril e 1° de maio. Dois Vulcan decolaram de Ascensão rumo às Falklands, o primeiro como aeronave titular e o segundo como reserva. Não tardou muito para que o avião titular desenvolvesse uma pane. O segundo Vulcan então assumiu a missão enquanto a tripulação da aeronave que originalmente faria a missão retornava para Ascensão extremamente chateada. Um dos Victor também teve que retornar por não conseguir estender sua cesta de reabastecimento. O avião reserva decolou imediatamente assumindo sua posição.
Após os cinco reabastecimentos nos Victor, o Vulcan XM607, comandado pelo Flight Lieutenant Martin Withers, chegou sobre o aeroporto de Port Stanley/Puerto Argentino e despejou 21 bombas de 1.000 libras, num intervalo pré-calculado que visava colocar pelo menos uma delas no centro da pista. A linha de bombas caiu sobre o aeródromo no sentido transversal, ou seja, cruzando a pista lateralmen te. Enquanto diversas bombas caíram sobre um acampamento erguido do lado do aeródromo, uma delas acertou o centro da pista abrindo uma enorme cratera, fato confirmado por uma missão de reconhecimento com caças Sea Harrier lançados de um dos porta-aviões da frota britânica na manhã seguinte. O ataque abriu as hostilidades pegando os argentinos de surpresa. Até aquele momento reinara a sensação de que a guerra não ocorreria, limitando-se a uma série de movimentações intimidadoras. As bombas de Martin Withers acabaram com qualquer dúvida de que a coisa era para valer.
Duas noites mais tarde, os britânicos lançaram a segunda missão Black Buck, num perfil muito parecido com o da primeira. Algumas mudanças foram efetuadas somente nos procedimentos de reabastecimento, armando-se um trem de jatos Victor mais eficaz do que o que fora montado na primeira Black Buck. Os estragos não foram marcantes.
A terceira Black Buck, na noite de 13 de maio, foi cancelada. Aeronaves Nimrod que constantemente faziam missões de patrulha sobre as ilhas alertaram para a existência de fortes ventos de proa o que poderia comprometer a eficácia da missão de reabastecimento até o TO.
A essa altura, a preocupação dos ingleses não era mais com a presença de jatos de combate operando das ilhas e sim com o lançamento de missões de ataque contra a frota que navegava a nordeste das ilhas. Os argentinos já haviam demonstrado sua capacidade de lançar ousados ataques contra os navios, buscando incessantemente os dois porta-aviões ingleses, o HMS Hermes e o HMS Invincible, que eram a chave das ações ofensivas inglesas no teatro de operações. Preocupava acima de tudo a utilização por parte da aviação aeronaval argentina, dos mísseis Exocet lançados por aeronaves Super Étendard. Utilizando os radares tridimensionais AN/TPS-43 montados em Port Stanley/ Puerto Argentino, os operadores argentinos conseguiam localizar a frota britânica seguindo os Sea Harrier até o ponto em que sumiam do radar, o que demonstrava estarem pousando a bordo de seus navios. Para os britânicos não restava mais dúvidas: aqueles radares precisavam ser colocados fora de ação!
Na noite de 28 de maio, um Vulcan decolou de Ascensão armado com dois mísseis anti-radiação AGM-45 Shrike em pilones que haviam sido engenhosamente improvisados às pressas em Waddington. Levavam ainda no interior da fuselagem, três tanques de combustível com cerca de 4.500 kg de querosene cada. Cinco horas após deixarem o chão, os tripulantes do Vulcan tiveram que retornar à Ascensão devido a uma pane no sistema de reabastecimento de um dos Victor. A aeronave em questão estava numa posição crítica que poderia comprometer seu retorno se ficasse voando por mais tempo. Seu retorno inviabilizava todo o sensível esquema de reabastecimento do Vulcan. Ainda não seria naquela noite que os radares de Stanley seriam atacados. Três noites mais tarde, a RAF tentou de novo.
O Vulcan seria o do Number 50 Squadron, tendo aos comandos o Squadron Leader Neil McDougall, um taciturno escocês com longa experiência em missões ofensivas.
Depois da sequência de reabastecimentos em voo, o Vulcan se aproximou das ilhas a baixa altura subindo em seguida para 16.000 pés a fim de atiçar os operadores dos radares argentinos. O míssil precisava do radar emitindo durante todo o processo de aquisição do alvo, disparo e guiamento. McDougall ingressou sobre a cidade de Port Stanley em plena vista dos radares diretores de tiro, mas estava acima do alcance dos canhões. Seu oficial de ele-trônica embarcada Rod Trevaskus lançou alguns pacotes de chaff para aumentar ainda mais os retornos eletromagnéticos. A tripulação de McDougall sabia onde estavam os radares, especialmente um que estava colocado perto de casas dos moradores da cidade e cujo ataque havia sido proibido. O piloto então rumou para noroeste da cidade e retornou num mergulho rumo ao alvo. Ao adquirir os sinais do radar, Trevaskus, no assento traseiro, disparou os mísseis com quatro segundos de diferença entre um e outro começando imediatamente a contar os segundos que se passavam após o lançamento. O ruído dos radares de busca chegava cristalino através do RWR. De repente os pilotos viram um clarão no solo, e logo em seguida outro. O primeiro míssil impactou a cerca de 10 metros de distância do radar principal atingindo-o, no entanto, somente com pequenos fragmentos. Outro míssil destruiu um radar diretor de tiro que estava perto. Logo após o ataque inicial, os operadores argentinos desligaram o radar de busca preservando-o assim de qualquer dano. Enquanto isso, o Vulcan de McDougall aproou o norte subindo para uma altitude na qual gastaria menos combustível e onde se encontraria com o reabastecedor que garantiria seu regresso para casa. Apesar de terem destruído um radar diretor de tiro, a missão fracassara. Os argentinos não somente continuavam capazes de saber onde estava a frota, mas agora estariam alertados para a possibilidade de ataques com armas anti-radiação.
Mas na noite de 2 para 3 de junho, Neil McDougall, a bordo do Vulcan XM597, taxiou para a cabeceira de Wideawake, aguardou a autorização da torre e, assim que ela chegou, suavemente empurrou as quatro manetes de potência até o batente iniciando sua longa corrida de decolagem.
Black Buck 6
Dessa vez, o grande bombardeiro levava quatro mísseis Shrike sob as asas. Poucos segundos depois de iniciada a rolagem na pista, McDougall e sua tripulação já estavam nivelando e aproando o sul.
Horas mais tarde, o XM597 se aproximava das ilhas. Repetiu a rota de ingresso vindo do nordeste à baixa altura. Na posição preestabelecida subiu para 16.000 pés e se preparou para o ataque. Só que dessa vez os argentinos sabiam o que esperar de uma aeronave se comportando daquela maneira e quando o Vulcan estava a nove milhas do aeródromo de Stanley, um a um, os radares argentinos começaram a sair do ar. Quando os ingleses passaram e se voltaram novamente para o mar, os sons no RWR começavam a voltar. E assim se sucedeu em diversas passagens. Um jogo de gato e rato eletrônico no qual a tripulação do Vulcan não encontrava seu alvo de maneira alguma. McDougall então resolveu fazer uma última tentativa para não ter que jogar fora sua missão. Curvando sobre o Atlântico abaixo ele resolveu fazer um passe na direção da pista do campo, quase como se estivesse vindo para o pouso. Os argentinos poderiam pensar que o Vulcan também estivesse armado com bombas convencionais e acender seus radares para defender o aeródromo. Dito e feito. Quando atingiram 10.000 pés um dos radares começou a emitir e logo em seguida a artilharia passou a buscá-los. De repente McDougall viu quatro explosões debaixo do Vulcan e um pouco à sua direita. Rod Trevaskus adquiriu seu alvo e lançou os dois Shrike que impactaram no solo perto de um radar Skyguard diretor de tiro. O piloto já estava erguendo o nariz do avião e tratando de dar o fora dali quando os mísseis chegaram ao chão. As explosões não acertaram o radar caindo próximo de onde estava e matando três militares argentinos que compunham sua equipe. Em poucos segundos, o silêncio voltou para Port Stanley/Puerto Argentino. E McDougall e seus homens já estavam longe dali.
Oh, merda...!
Quatro horas mais tarde grande parte do estresse da missão já havia passado. As Falklands/Malvinas haviam ficado a 2.500 milhas ao sul. Com a musculatura mais relaxada e a respiração mais pausada, os tripulantes do XM597 rumavam para o norte a 20.000 pés, margeando a costa da América do Sul. Já estavam no ar há mais de 12 horas. Guiados por um avião Nimrod MR2 de patrulha marítima que utilizava seu potente radar Searchwater para ajudá-los a encontrar o Victor que os reabasteceria um pouco mais à frente, sabiam que dali em diante o voo seria tranquilo. Estavam fora do alcance da defesa aérea argentina. Pouco depois, McDougall viu à sua frente o que certamente era uma visão reconfortante, a cauda em T de um Victor, seu posto de gasolina no céu! Posicionou-se atrás e sob a asa direita do reabastecedor e cautelosamente manejou as manetes e o manche mirando seu probe na cesta que flutuava serena diante de seu pára-brisa. Com um movimento seguro o Vulcan chegou mais perto do avião-tanque até que o probe ingressou na cesta e RRRRRRUUUUUUUPPPPPPPPR De alguma forma foi arrancado da fuselagem do Vulcan. Podia ter sido um erro de pitocagem. Ou talvez fadiga de material. Mas a verdade é que sem o probe não dava mais para o grande e cansado bombardeiro receber combustível...
"Oh, merda!"Disse alguém na fonia...
O co-piloto do Vulcan era o Flying Officer Chris Lackman. Cabia a ele fazer os cálculos de combustível da missão. O Vulcan, aeronave dos anos 50, não dispunha de nenhum equipamento moderno capaz de prover esses dados de forma mastigada para a tripulação. Não demorou muito para que Lackman olhasse friamente nos olhos de McDougall e declarasse que não havia chance de continuarem até Ascensão, e no perfil de voo em que se encontravam, dificilmente chegariam sequer à costa brasileira.
Para piorar as coisas, existia um vazamento de combustível num dos tanques localizados no bombbayúo avião.
E, por ser numa posição central da fuselagem, Lackman era forçado a utilizá-lo para equilibrar o centro de gravidade da aeronave.
Era preciso tomar decisões urgentes, e a mais imediata era a de subir para voar em ar mais rarefeito. Assim, economizariam combustível e poderiam chegar mais longe. Ocorre que antes de erguer o nariz do Vulcan, ainda tinham um problema a resolver. No ataque a Stanley, o XM597 havia lançado dois mísseis Shrike. Mas outros dois permaneciam pendurados nos pilones. Além de causarem grande arrasto o que consumia mais combustível do que se o avião estivesse o mais liso possível, não poderiam estar a bordo quando o bombardeiro pousasse num país neutro. Qualquer associação com um conflito bélico poderia ser prejudicial ao bem-estar da tripulação, sem contar que não traria benefícios de relações públicas à causa britânica. E tratando-se de uma arma da Otan, os AGM-45 não poderiam cair nas mãos de um país não-alinhado com àquela organização. Os mísseis teriam que sair dali, e rápido. Trataram de fazer uma busca radar à frente do avião para se certificarem de que não havia nenhum navio na proa. É claro que naquele momento vigorou a Lei de Murphy! Pois havia diversos contatos ao norte o que fez com que McDougall virasse para o leste e após nova busca se certificasse de que o mar estava limpo naquela direção. Foram poucos segundos, mas quando se está com pouco combustível um segundo já é muito!
O piloto empurrou então o manche para frente até que o nariz do Vulcan mergulhasse num ângulo de 45°. O oficial navegador/radar Flight Lieutenant Dave Castle disparou os Shrike sucessivamente para não perder tempo. Com um clarão e um forte ruído, saiu o míssil do lado direito. Mas o do lado oposto não disparou.
Passaram-se alguns segundos até cair a ficha.
"Está preso!", disse o oficial responsável pela eletrôni-ca de bordo, o Fl Lt Rod Trevaskus, "Não consigo soltá-lo!"
McDougall, nem pensou. Reverteu a manobra passando a subir numa curva, ascendendo e rumando para o oeste. Não havia mais tempo a perder. McDougall então empurrou as maneies para frente solicitando potência total dos quatro motores. Mesmo gastando muito combustível na subida, sabia que o quanto antes chegasse aos 40.000 pés, maior seria a distância que percorreria. Ele era um piloto extremamente experiente no Vulcan, e conhecia o desempenho daquela máquina como ninguém. Já na subida, pediu uma proa para o aeródromo mais próximo. A resposta já estava sendo calculada: Rio de Janeiro!
Quando atingiram o nível 400, McDougall pediu ao piloto reserva, o Flight Lieutenant Brian Gardner, para juntar todo e qualquer documento confidencial que estivesse a bordo. Ele não tencionava pousar com eles. Em pouco tempo códigos, mapas, frequências operacionais e outras informações sensíveis foram recolhidos. Gardner esvaziou uma lata de rações e espremeu a papelada dentro dela.
A única maneira de alijar qualquer coisa de dentro de um Vulcan era através da portinhola de escape, de operação hidráulica localizada no chão e na parte frontal da cabi-ne. Ocorre que abrir qualquer porta de um avião a 40.000 pés é uma missão hercúlea. Sem contar que naquela altura a sobrevivência só seria possível se os tripulantes respirassem oxigénio puro através de suas máscaras, a ainda assim por um curto período de tempo.
Mas McDougall não queria aqueles documentos em mãos estranhas e deu a ordem para que se abrisse a portinhola de escape.
Depois de igualar a pressurização da cabine com a de fora, e de trazer as manetes para trás diminuindo a velocidade do jato até o pré-estol McDougall fez com que todos checassem o fluxo de ar de suas máscaras e pediu a Gardner que abrisse a portinhola e alijasse a lata.
Gardner ajustou seu cinto, e acionou o comando da portinhola que abriu deixando entrar um furacão de ar gelado que logo tomou conta da cabine. Empurrou a lata, à qual estavam afixados pesos adicionais para garantir que afundasse, em direção ao vazio, vendo-a cair rumo ao vasto oceano abaixo. Em seguida acionou a alavanca para fechar a portinhola e ...nada! Ela não havia sido feita para ser acionada em voo! Não havia nada que poderiam fazer naquela altitude além de continuar em frente, o desconforto de terem que voar no limite do combustível agora acompanhado de um frio glacial que nem suas roupas térmicas especiais conseguiam afastar.
Finalmente, tremendo de frio, Rod Trevaskus acionou o botão do rádio e começou a transmitir.
Brasil
Era um dia claro e ensolarado em Brasília. Na sala do Centro de Controle de Área de Brasília, do CINDACTA l (Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle do Tráfego Aéreo), ouviu-se um chamado incomum na frequência de emergência (121.5).
- " Mayday, Mayday, this is Ascott 2357, Mayday, Mayday".
Esta chamada-rádio, muito pausada, e naquela fleuma britânica, repetiu-se duas ou três vezes, até que o controlador do Setor Rio, que abrangia toda a área do Rio de Janeiro, estendendo-se por mais ou menos 350 km para dentro do Oceano Atlântico, respondeu à chamada:
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
-(piloto): "say callsign again!!!" Aí já não tão fleumaticamente como antes.
- (controlador): "Ascot2357, this is Brazilian Center, go ahead."
A reação do piloto foi disparar uma série de informações, sobre a situação do seu voo, em uma velocidade, agora sem fleuma britânica, e com tantos dados, que o controlador só disse uma frase:
- "Sayagain."
O piloto disse então, mais ou menos o seguinte: "Ascot2357, position...., due shortage offuel, unable to go further than Rio, request immediate diversion to Rio".
A transcrição de tudo o que o piloto falou naquele con-tato-rádio nunca foi possível de se realizar, nem mesmo com a ajuda de um americano que dava aulas de Inglês para algumas pessoas do CINDACTA, pois havia frases impossíveis de serem entendidas.
Após algumas trocas de mensagens entre controlador e piloto, o piloto acionou o seu transponderno modo A, o código internacional de emergência, que é 7700. O radar secundário do Pico do Couto, em Petrópolis (RJ), passou a detectar o avião, e, mais tarde, o radar primário também o detectou, e não somente aquele avião, mas também outros dois que voavam perto dele.
Graças ao nosso sistema brasileiro ser integrado, controlando-se a Circulação Aérea Geral, integradamente com a Circulação Operacional Militar (infelizmente alguns desavisados e outros mal intencionados, e muitos farejando dinheiro, querem destruir este sistema), ao mesmo tempo que o Centro Brasília tentava dar assistência ao avião que se declarava em emergência, na sala ao lado, no Centro de Operações Militares (COpM/Defesa Aérea ), acompa nhava-se a ocorrência, e aguardava-se uma definição da identificação daquela aeronave.
O controlador do Centro Brasília solicitou, várias vezes, que o piloto se identificasse, e a resposta era sempre:
- (piloto): "this is Ascot 2357, a fourjets."
Diante dos fatos conhecidos, o COpM (Defesa Aérea) acionou o 1° Grupo de Caça para uma missão de interceptação real, ou seja, com aviões armados.
O que o controlador do CINDACTA l estava ouvindo era a voz de Rod Trevaskus, mas sua transmissão dentro da máscara apertada e a situação de pressão na cabine faziam com que sua voz chegasse como se fosse a do Pato Donald! "Lembro-me bem ", recorda-se um controlador, "que ele só nos disse tratar-se de um avião com quatro motores. Ele repetiu várias vezes tratar-se de uma aeronave com f ou r jets', mas falava muito rapidamente e mal conseguíamos entendê-lo". Enquanto os controladores em Brasília tentavam administrar aquela situação inusitada, outros acontecimentos começavam a ocorrer a cerca de mil e duzentos quilómetros dali, na Base Aérea de Santa Cruz.
Rojão de Fogo!
Naquele mesmo momento, na Base Aérea de Santa Cruz, a oeste do Rio de Janeiro, os Capitães-Aviadores Raul José Ferreira Dias e Marco Aurélio dos Santos Coelho haviam acabado de fazer o checkexterno de dois caças Northrop F-5E Tiger II do 2° Esquadrão do 1° Grupo de Aviação de Caça, e já se ajustavam em seus assentos antes de sair para uma missão de navegação a baixa altura (NBA) com tiro-foto no estande da Marambaia no regresso. "Nós fazíamos a missão de navegação saindo de Santa Cruz em direção ao Vale do Paraíba, e depois retornávamos pela Baía da Ilha Grande para atacar o objetivo, que era na Marambaia", conta o então Capitão Dias. "Eu me lembro que quando nós estávamos nos preparando para guarnecer nossos aviões, vi o avião de alerta voltando de um acionamento. Naquela época, era comum se fazer dois acionamentos do alerta, um pela manhã e outro à tarde, para treinamento. Ou seja, naquele exaro momento não havia aeronave de alerta disponível."Eram cerca de dez horas da manhã e o dia não podia estar melhor para voar. "Era um dia belíssimo", continua Dias, "daqueles de pós-frontal que entusiasma qualquer piloto. De repente notei um dos mecânicos correndo para o meu avião, abrir o cofre e dar o golpe no canhão! Lembro que gritei: 'Ei, não! A missão é de tiro-foto! Não vamos sair armados'". O Capitão Dias já estava de capacete e pouco ouvia além de sua própria respiração e o rugir dos motores a jato que costumam encher qualquer rampa de base aérea operacional. No meio daquela confusão, já estava aciona-da a sirene de alerta, mas esse foi o único barulho que ele não conseguiu ouvir. "Aí, o mecânico me fez um sinal com a mão que eu entendi como sendo de 'liga o rádio'/" Dias fez o que ele pediu e aí não restou mais dúvida do que estava acontecendo: "Quando eu liguei o rádio imediatamente ouvi o Joca*, coitado, se esgoelando na frequência para fazercontato conosco. tspadas é o Joca, Espadas é o Joca!' ( Joca - Oficial de Permanência Operacional (OPO) de Santa Cruz)
Ele berrava tanto que eu tive que esperar uma brecha na fonia para poder responder, 'prossiga', eu disse para ele, 'Espadas na escuta...'"O hoje Major-Brigadeiro Dias continua o relato transportando-se novamente para aquele 3 de junho; "Eu sei que nós éramos a esquadrilha de Espadas porque eu sempre voava Espadas. Eu era o Operações do Esquadrão mas havia sido o Comandante de Espadas então eu mantinha aquele código rádio comigo. O Joca então falou algo que modificou de imediato todo o cenário. Ele disse "Rojão de Fogo!' e imediatamente soubemos que a coisa era para valer!"
Rojão de Fogo era o indicativo de um alerta real. Os aviões partiriam para interceptar uma aeronave em situação de combate. Raul Dias ainda não estava totalmente amarrado no assento, mas assim mesmo deu partida e saiu rumo à pista de decolagem. "Eu só pensava em chegar à cabeceira primeiro porque a doutrina naquela época ditava que num alerta respondido por mais de um avião, aquele que chegasse na frente à cabeceira liderava a missão! Por isso eu completei minha amarração no táxi. Quando chegamos à posição de decolagem, fizemos os checks finais e decolamos na ala. Uma coisa que me marcou foi que PRIMAV (indicativo da torre de Santa Cruz) nos passou di-reto para Thor (Indicativo da Defesa Aérea do CINDACTA l, em Brasília) sem nos passar antes para Taba (código da aproximação em Santa Cruz) ou pelo Controle Rio, e Thor pediu 'Subida PC Maxi, deu nos bearing (direção magnética) tal, anjos (nível de voo) três dois zero'."
Os dois pilotos do Pif-Paf haviam treinado a vida inteira para aquele momento. Mas quando ele veio pegou-os de surpresa. "A verdade é que nada te prepara para um alerta real", diz o então Capitão Coelho. "A adrenalina começa a correr no corpo e a excitação é grande. Mas, apesar disso, o treinamento parece tomar conta de você e as ações começam a acontecer automaticamente. O que me chamou a atenção, além do corre-corre natural de um momento como aquele, foi o fato de que recebemos as pranchetas do alerta com os códigos secretos que nos dariam a autorização para abater o alvo em voo. Elas ficavam trancadas com o oficial de inteligência e só eram passadas aos pilotos do alerta em situações reais. E naquele momento elas estavam sendo entregues para nós!"
Após o táxi, os Tiger decolaram na pista 04 e logo curvaram à direita tomando a proa do mar. Raul Dias retoma a narrativa: "Pouco depois da decolagem aproamos a zona sul e com o PC (Pós-Combustão) a pleno, subimos com o pé no horizonte e com a viseira molhada! Quando finalmente nivelamos aos trinta e poucos mil pés eu comandei uma linha de frente tática. Se não me engano o Coelho estava na minha direita e ele abriu. Lembro-me que eu nivelei no dorso porque a subida tinha sido tão agressiva que quando chegou no nível eu pus o avião no dorso, segurei de nariz e nivelei. Só que na hora em que nivelamos entramos supersônico. Nem pensamos nas consequências que aquilo poderia ter. Afinal de contas estávamos num Rojão de Fogo!"
Naquele momento a cidade inteira descobriu que algo estava acontecendo porque um òoomsônico a atingiu em cheio assustando os seus cerca de cinco milhões de moradores! Enquanto a população carioca se recuperava do susto, as ações se sucediam a cerca de dez quilómetros de altura.
O Vulcan de McDougall vinha descendo numa rampa suave buscando chegar na costa brasileira. A comunicação era difícil porque o oxigénio pressurizado que emanava das máscaras que a tripulação usava fazia com que cada palavra tivesse que ser gritada. O barulho dentro da cabine era enorme porque o fluxo de ar que entrava pela portinhola de escape misturado ao som das turbinas do bombardeiro fazia de qualquer comunicação em tom normal algo impossível. Trevaskus identificou o jato somente como uma aeronave de quatro motores omitindo exatamente quem era e de onde estavam vindo. O controlador do COpM, no entanto, conseguia ver claramente os três plotes voando em formação. Evidentemente ele não deixou transparecer que os interceptadores brasileiros voavam na direção contrária e no seu alcance. Até aquele momento tanto o Nimrod quanto o Victor envolvidos na missão continuavam a comboiar o Vulcan até onde podiam. As autoridades inglesas em Ascensão também já haviam sido avisadas através de comunicações seguras.
O Vulcan nivelou aos 20.000 pés. Abaixo daquela altura, as chances de sobrevivência no caso de uma parada dos motores seriam mais difíceis. Mas ainda havia um problema. O Shrike pendurado tranquilo sob a asa do Vulcan estava armado e poderia causar problemas na aproximação e no pouso. Bastava para isso, que a sua cabeça de guiamento encontrasse emissões "apetitosas" pela frente, um radar do Pico do Couto, ou do Galeão, por exemplo. Uma boa sacudidela também poderia ser desastrosa. Mas àquela altura o míssil era um risco que a tripulação de McDougall teria que enfrentar.
Aos 20.000 pés o frio diminuíra assim como a pressão do ar e Gardner finalmente conseguiu fechar a portinhola de escape. A cabine rapidamente deixava de ser um local hostil.
Diretamente à frente do nariz do Vulcan, a mais ou menos Mach 1.3, porém a cerca de 10.000 pés acima, Dias e Coelho queimavam o céu buscando sua presa. "Na minha lembrança", relata o Capitão Coelho, "tivemos um tempo de reação muito rápido, naquelas condições de acionamento. Os minutos que consumimos para decolar, após o primeiro entoar da sirene, não cabem em todos os dedos das mãos. Quando já estávamos em voo, rumando para o alvo, sempre o tivemos frente a frente. O que não permitia uma detecção radar ideal. Posso dizer que não foi fácil encontrá-lo".
O então Capitão Dias completa, "A primeira informação de Thor que chegou era mais ou menos o seguinte: Eram três aviões não identificados que estavam seguindo para o Rio de Janeiro. Imediatamente vimos uma trilha de condensação à nossa frente fazendo uma curva ascendente à direita de onde deveria estar o alvo e para o nosso lado esquerdo. Mas logo depois o alvo saiu do nível de trilha e desapareceu". No COpM, o pessoal da Defesa Aérea acompanhava o voo daquela aeronave ainda sem identificação. Ainda não ficara claro qual era o problema com o jato inglês, a não ser o que foi entendido naquela primeira chamada-rádio, ou seja: ele estava com pouco combustível, não podia ir além do Rio, e queria orientação para um pouso imediato.
A decisão, então, era de orientar o avião para o Galeão. Esta tarefa era conduzida pelo Centro de Controle, e tudo acompanhado pela Defesa Aérea, que a seu tempo vetorava os caças para o rumo mais direto possível em direção ao alvo ainda desconhecido.
Os três aviões ingleses vinham voando meio enviesado rumo à costa brasileira e quando o controlador do Centro Brasília ordenou que o Ascot 2357 curvasse para um melhor ajuste de aproximação direta para a pista 14 do Galeão, aquela curva, coincidentemente, o colocava de proa com os interceptadores, o que causou certo "frisson" nos controladores dos caças, pois imaginou-se que o avião inglês ia partir para o combate; mas a tensão foi logo desfeita ao saber-se o que se fazia na sala ao lado (Centro de Controle); mais uma vez, graças ao nosso sistema ser totalmente integrado. Naquele momento, a escolta do XM597 deixava o pesado bombardeiro à sua própria sorte e abandonava o espaço aéreo brasileiro. Certamente foi esse o movimento que os pilotos do Pif-Paf viram diante de seus caças. Os pilotos brasileiros vasculhavam o céu à sua frente como manda o figurino, com um dos caças varrendo o céu com seu radar à frente e acima do horizonte enquanto o outro fazia o mesmo para abaixo do horizonte. Mas não havia nada à frente na tela de seus radares de bordo! "Quando passamos a linha da praia", continua Dias, "comandei o check de armamento conforme dita a doutrina. Ligamos os canhões, demos as rajadas padrão e prosseguimos. Naquela época, apesar de nossos radares conseguirem alcançar cerca de 20 milhas, para um avião do tamanho daquele ali a umas 18/17 milhas já deveríamos ter tido contato, por mais que estivéssemos frente a frente com ele". Ocorre que, naquele momento, o radar tridimensional do CINDACTA l, o Volex III estava inoperante. Os controladores de Brasília então só conseguiam ver o plote primário e secundário (só modo A) do alvo, não dispondo de informações sobre a sua altitude. Esta era estimada pelos controladores e passadas para os caças que já estavam no local. Só que eles não conseguiam ver a aeronave que rapidamente se aproximava da cidade porque a distância já era muito curta e a diferença de altura entre os caças e o Vulcan grande demais. O Vulcan, que voava a cerca de 10.000 pés abaixo dos caças já havia saído do cone de varredura do radar dos F-5E. A esta altura, o controle já havia informado à esquadrilha de Espadas que o alvo era uma aeronave inglesa. O grande bombardeiro já estava a umas 25 milhas da Boca da Barra que separa a Baía de Guanabara do mar e o operador em Brasília vinha cantando pelo rádio a distância que separava os caçadores doalvo. "Quando o controlador disse:'Dez milhas', eu abandonei a tela de radar e comecei a olhar para fora", lembra-se o Brigadeiro Dias transportando-se para a cabine de seu F-5 naquele dia ensolarado. "De repente, o controlador disse: 'Piotes confundidos.' E aí eu não tive mais dúvida. Fiz um movimento com a cabeça girando com o avião ao mesmo tempo e coloquei o caça no dorso. E ai eu vi aquela enorme 'arraia' voando embaixo de mim. E dali de onde eu estava eu comandei: Tally Ho!, é um Vulcan. Judite. Espadas Dois, Cobertura!' E o fiz de forma absolutamente automática. Zero raciocínio! Porque era aquilo que a gente fazia todos os dias".
Imediatamente Dias manobrou sua aeronave em um mergulho para concluir a interceptação do intruso. Foi só nesse momento que se soube qual era o tipo de avião que voava em direçáo ao Rio, em emergência.
"Eu vinha atrás e quando o Dias fez a manobra, que na verdade era um retournement, eu o segui, em cobertura e atento na manutenção do visual, porque o ala nunca pode perder o seu líder de vista. Principalmente numa situação como essa. Ao completar a manobra para me posicionar onde eu teria que estar, que era protegendo o meu líder, me lembro que vi o Pão de Açúcar perto", complementa Coelho. Raul Dias assume a narrativa: "A manobra havia nos colocado atrás do alvo. Eu me lembro que logo que nivelei atrás dele eu girei um 'tonneauzão' para matara velocidade, e fiquei na asa esquerda dele enquanto o Coelho se posicionou às suas seis horas. Em seguida, comecei a fazer os procedimentos padrão previstos em qualquer interceptação enquanto chamava o Vulcan na frequência 121.5 como manda o figurino." Preocupado com o estado de seu nível de combustível, McDougall não respondeu às interpelações do piloto brasileiro e continuou rumando para o Rio de Janeiro.
"Nada. O bicho não falava nada!" Lembra-se Dias: "O capacete deles do tipo HGU-2Tera bem padrão todo branco e não como os nossos, que eram cheios de 'firula'. A sensação que eu tinha era a de que ele mexia levemente a cabeça e me olhava de rabo de olho. Mas não falava nada! Só mantinha a reta do jeito que vinha. "Ocorre, no entanto, que Raul Dias não estava gostando muito daquilo.
"Eu então disse para o meu ala: 'Coelho, fica de olho que eu vou fazer esse cara falar com a gente'. "Vinte e cinco anos depois do episódio, o piloto brasileiro cerra os olhos quase imperceptivelmente quando se lembra: "Eu então dei uma 'asada' nele." E talvez por um segundo apenas se lembra que é um Oficial General da Força Aérea Brasileira e pausa a narrativa considerando se devia ter dito aquilo. Mas o piloto de caça dentro dele fala mais alto e ele confirma: "Dei mesmo."
Dias passou com o Tiger da esquerda para a direita diante do nariz do Vulcan. E como se aquilo não bastasse, girou um tonneau por sobre o bombardeiro da RAF voltando para a posição que ocupara anteriormente ao seu lado. "Quando passei por ele, cheguei a vê-lo se abaixar dentro da cabine. Aí ele finalmente olhou para mim e entrou na fonia." A ideia inicial do COpM era levar o Vulcan para Santa Cruz, mas no rápido diálogo que se seguiu ficou claro para todos que acompanhavam aquele momento que o grande bombardeiro não teria combustível para aquilo.
"Eu não havia notado inicialmente que ele estava com problemas", continua o líder da Esquadrilha de Espadas, "mas quando olhei com cuidado, notei que o probe de reabastecimento que fica bem na frente da cabine do Vulcan estava quebrado. Nessa coordenação entre eu, Thor e ele ficou definido que nós o acompanharíamos até o pouso. Daí para frente passamos a acompanhá-lo visando o seu recolhimento com segurança no Galeão onde pousaria na pista 32".
O Vulcan sobrevoou a cidade já com o trem baixo e todo flapeado para perder altura, mas seus problemas ainda não haviam terminado. Segue o depoimento de um dos controladores: "Enquanto o Vulcan se aproximava do Rio de Janeiro, o Controle de Brasília mandou que o piloto passasse para a frequência do Controle de Aproximação do Rio, mas ele negou-se a mudar daquela frequência de emergência (121.5). Foi preciso, então, fazer-se a coordenação entre o Centro de Brasília e o Controle do Rio, dando ao piloto as coordenadas para o pouso. No entanto ele respondeu que não teria combustível para efetuar sequer um circuito para se aproximar da pista em uso. O Centro Brasília perguntou se ele conseguia ver a pista ao que ele respondeu afirmativamente. 'Então pode pousar nela', foi o que disse o controlador". Ele agora vinha para uma longa final na pista 32.
McDougall estava alinhado com a pista do Galeão, mas vinha alto demais. Com cerca de seis milhas para o pouso, o Vulcan ainda voava a uns 20.000 pés. Precisaria descer de uma só vez o mais rapidamente possível. Ele então puxou as manetes para idle, estendeu os freios de mergulho, e entrou numa curva descendente em espiral puxando dois Gs e com uma inclinação de 65°. Sem o empuxo de seus motores, o avião começou a descer verticalmente, quase numa queda livre. Mas quando estava a cerca de 250 pés, e a 3/4 de milha da cabeceira, McDougall aplicou potência total e sentiu o jato voltar a voar sob tração novamente. Estava perfeitamente alinhado com a pista 32 do Galeão! O comandante do Vulcan ganharia a Distinguished Flying Cross (DFC) por aquela manobra, mas interessantemente, nenhum dos dois pilotos brasileiros que acompanhavam o Vulcan até o pouso se recorda dela.
O então Capitão Dias olhava o Vulcan de cima: "Me impressionou o silêncio que de repente se abateu na fonia sobre o Galeão", lembra, "o Controle havia tirado todo mundo da área. Fizemos mais algumas passagens sobre o aeroporto e quando vimos que ele estava livrando a pista rumo ao estacionamento, pedi proa de Maloca via Barra e rumamos para Santa Cruz. Sobrevoamos a Zona Sul da cidade e quando estávamos já no través da Pedra da Gávea, minhas pernas começaram a tremer! Chamei o Coelho no rádio e disse para ele que eu estava com as pernas tremendo. 'E como é que você acha que estão as minhas!?!' veio a resposta!". Era o nível de adrenalina que estava começando a abaixar no corpo dos dois pilotos brasileiros.
Os dois F-5E chegaram sobre a Base Aérea de Santa Cruz, mas não pousaram. Seus dois pilotos os levaram para a área de instrução e fizeram acrobacias na ala até que se esgotasse o combustível. Em seguida entraram no circuito, fizeram um pilofe e vieram para o pouso. Já no chão taxiaram até o Esquadrão onde praticamente todo o efetivo da Base os esperava para recebê-los, e curiosos, para saber como havia sido a missão. Afinal de contas, aquela havia sido a primeira interceptação real na História do 1° Grupo de Aviação de Caça!
Conclusão
McDougall e sua tripulação permaneceram por mais oito dias no Brasil sendo bem tratados por seus colegas da FAB, que os alojaram no Cassino de Oficiais da Base Aérea do Galeão. Passaram a maior parte de seus dias no Brasil tomando banho de sol na piscina da Base. No dia 11 de junho subiram no XM597 e decolaram rumo a Ascensão. O míssil Shrike, no entanto, ficou no Brasil. Na noite seguinte, os ingleses voaram a última missão Black Buck, de número sete. Bombardearam posições de tropa argentinas perto de Stanley. Suas bombas convencionais vindo a cair do lado leste da pista sem maiores consequências. Pouco depois a guerra terminava.
"O que fica é a satisfação do dever cumprido e a constatação de teratuado com profissionalismo", conclui o então Capitão Coelho, "colocar aquele 'm' na caderneta de voo, e que denota uma missão real pode não significar nada para muita gente. Mas para nós vale muito. Porque significa que fizemos aquilo que esperavam de nós quando o momento chegou. Para nós aquele 'm' foi maiúsculo".
O boom sônico que sacudiu a cidade do Rio de Janeiro foi interpretado por muitos de formas diferentes. Houve quem dissesse que o Gasómetro do Rio tinha explodido. Para a maioria o que ocorrera de verdade só veio à tona às oito horas da noite, no Jornal Nacional. Raul Dias, no entanto, sentiu a repercussão pouco depois de pousar: "Eu estava na sala do OPO (Oficial de Permanência Operacional) que naquela época era bem à esquerda de quem entra no Esquadrão. Estava fazendo o relatório imediato da missão quando tocou um dos vários telefones que se alinhavam no console à minha frente. Eu atendi automaticamente e disse: Bom-dia, OPO, Grupo de Caça...' Foi quando uma voz em altos brados irrompeu do outro lado dizendo: 'Aqui é o Coronel Fulano. Quero saber imediatamente quem era o piloto de F-5 que estava fazendo firulasem cima do Galeão...'. Eu confesso que até hoje não sei quem foi, mas peço que me perdoe, porque como um bom e jovem capitão com a adrenalina ainda fluindo no corpo, eu falei algumas coisas que eu não devia."Coelho também teve tempo para pensar naquele 3 de junho após estes 25 anos: "Aquele boom sônico pesou durante algum tempo na minha consciência ", recorda, "porque parece que o metro parou, e que alguém que estava limpando vidros no vigésimo terceiro andar de um edifício quase caiu. Mas a verdade é que naquele dia, todo mundo lembrou que tem uma Força Aérea! ".
Belo relato de guerra. Deveria ser lido por todos os brasileiros. Preciso e conciso, após a sua leitura é fácil concluir a necessidade de se ter forças armadas e um aparato defensivo prontos para lidar com qualquer situação, sem que a isso sejamos levados por artifícios do autor do artigo. Fiquei especialmente surpreso por descobrir o quanto o Reino Unido, após anos de desleixo com as suas forças armadas(Foram décadas de gestão socialista), foi pego de surpresa pela ação Argentina e teve de contar com a sorte para preencher lacunas significativas na sua capacidade bélica. O desleixo com as forças armadas é um verdadeiro crime. O desprezo para com a vida dos que devem se arriscar pela segurança da pátria, manifestado pelo descaso com a defesa, é a medida do grau de desamor à nação por parte dos que deveriam zelar pela sua boa condução política.
ResponderExcluirUm abraço do Revoltado.
essa matéria é muito boa..
ResponderExcluirja tinha comprado a revista e lido mas é legal postar matéias deles aí ^^
sobre a falta de consideração do governo com as forças armadas parece ter acabado.. eu acho pelo menos..
mal posso esperar pelo 7 de setembro pra entrar aqui no blog e ver o novo plano estratégico de defesa..
Abraços!!
Amigo daria p/ fazer um bom filme .............ótimo relato ............um abraço ...............T
ResponderExcluirJá havia lido na RFA, mas fiquei muito feliz em ver de novo.
ResponderExcluirObrigado!
Fiquei impressionado só com o barulho da quebra da barreira do SOM, com a interceptação mesmo Putz
ResponderExcluirIsso e Fato
Os F-5s que interceptaram o Vulcam Britânico em 82
Os F-5 que interceptaram o Vulcam Britanico em 82, estavam sem os AIM-9B ( UMA MERDA ), só estavam armados com os canhões ( OUTRA MERDA ). A interceptação em si mostrou que nossos aviadores estavam absolutamente despreparados para o uso correto do radar Emerson AN/APQ-159, quase perderam o alvo, apenas o localizaram por sorte, "no visual", ENTENDEU "no visual".
Revista Historica sobre a interceptação do Vulcam Britânico em 82
http://picasaweb.google.com/ricardo.ricjam/RevistaZoom#5176880191607115362
Quem quiser escuta Historia fique a vontade, passar bem.
Não havia necessidade deste boom sônico, com certeza não.
ResponderExcluireles decolaram atrasados, o Vulcan Britânico esta se aproximando para o pouso, estava com uma emergência ( Falta de Combustível ) essa e a verdade, eles estava voando por mais de 4.000 milhas náuticas do ponto de partida ia fazer um total de 11 reabastecimento em vôo, estavam a mais de 12 horas no ar, os kras estavam perdidos dentro do Vulcan Britânico ainda para dois F-5 querendo contato, os kras na rampa de aproximação do pouso, putz
Foi um despreparo tremendo, também acho mais fazer o que
Uma Pergunta, quem esta de Alerta de Defesa Aerea, no Dia da interceptação
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A verdade sobre a interceptação do Vulcan em 1982
ResponderExcluirSempre voaram desarmados. Os F-5 que interceptaram o Vulcam Britânico em 82, estavam sem os AIM-9B, só estavam armados com os canhões. A interceptação em si mostrou que nossos aviadores estavam absolutamente despreparados para o uso correto do radar Emerson AN/APQ-159, quase perderam o alvo, apenas o localizaram por sorte, "no visual".
A FAB tem que começar do ZERO, tem que aumentar o efetivo de combate, tem que ter um menor numero de tipos de vetores e um maior número de aeronaves operacionais.
A FAB tem que desenvolver o Espírito de Combate. E o Espírito de corpo.
Excelente relato !!!
ResponderExcluirParabens ao pilotos.
Só quem estava lá encima sabe o que passaram...
Mais uma vez parabens !!!
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