A América Latina entra numa corrida armamentista, na maior movimentação militar desde a época das ditaduras, e o ministro Nelson Jobim diz que "se alguém entrar no espaço brasileiro vai ter problemas"
Por RUDOLFO LAGO E CLÁUDIO CAMARGO
A relativa estabilidade política entre os países da América do Sul, aliada à triste lembrança dos regimes militares que atormentaram a região nos anos 60 e 70, levou o Brasil a deixar suas Forças Armadas em petição de miséria nas últimas décadas. O fortalecimento militar da Venezuela parece ter acionado os alarmes, mostrando quanto o País está despreparado para qualquer tarefa de dissuasão.
Agora, o governo brasileiro resolveu retomar os investimentos na área militar.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciou o aumento de 50% no orçamento das Forças Armadas já para 2008 (de US$ 6,9 bilhões para R$ 9,1 bilhões), e garantiu recursos (R$ 1 bilhão durante oito anos) para a conclusão do projeto do submarino nuclear. Até 2021, poderá haver investimentos totais de R$ 16 bilhões. Mas Jobim não quer apenas o reaparelhamento das Forças Armadas. Sua idéia é que os produtos bélicos adquiridos no Exterior sejam comprados de fornecedores que ofereçam transferência de tecnologia, de modo a dar início a uma política industrial para o setor. Não se trata mais de comprar na prateleira pelo menor preço.
“Queremos um plano estratégico de defesa nacional que precisa estar vinculado ao desenvolvimento nacional, ligando a questão a toda a política industrial e à criação de um parque industrial de defesa”, disse Jobim na audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, há dez dias.
Por trás de toda essa movimentação bélica está em jogo a questão da geopolítica da região. Os avanços do líder venezuelano Hugo Chávez têm assustado os vizinhos, em especial no que diz respeito à soberania de cada país. Rumores de que Chávez poderia até ter planos para a Bolívia, em acordo com o presidente daquele país, Evo Morales, causaram inquietação nos meios militares dentro do Brasil. O ministro Jobim nega que o reforço orçamentário para as Forças nacionais tenha ligação com a ameaça Chávez e diz que a compra de armas e equipamentos já estava prevista antes desse novo cenário. Segundo Jobim, o objetivo maior é defender o País de invasões. “O que é a Defesa no sentido em que estamos discutindo? É a afirmação de que, se alguém entrar no espaço aéreo brasileiro ou em águas territoriais, vai ter problemas”, disse ele na quinta-feira 8 em um congresso no quartel-general do Exército.
A situação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica nacionais é dramática. Segundo o comandante do Exército, general-de-exército Enzo Martins Peri, 70% dos 1.500 blindados da força estão “indisponíveis” e quase 80% deles têm mais de 30 anos de vida.
O armamento individual dos soldados, o FAL (Fuzil Automático Leve), tem mais de 40 anos de uso e o Exército “enfrenta séria restrição de munição, o que compromete o adestramento da tropa”.
A Aeronáutica está com 37% da frota de 720 aviões sem condições de voar; só recentemente conseguiu substituir os velhos Mirage III por Mirage 2000 usados. De acordo com seu comandante, Tenente-Brigadeiro Junito Saito, depois das aquisições de Chávez – 24 caças supersônicos russos Sukhoi Su-30 – a FAB se tornou a quarta Força Aérea da região – atrás da Venezuela, do Chile e do Peru. E a Marinha, além de ter metade de seus principais navios sem condições operacionais, precisa reformar os cinco submarinos diesel-elétricos.
Em 2003, ano em que o Orçamento das Forças Armadas brasileiras foi de R$ 4,3 bilhões, o menor dos últimos 15 anos, a Marinha chegou a considerar a hipótese de cancelar o programa de desenvolvimento do submarino nuclear. Seria uma forma de redirecionar o dinheiro para outras áreas necessitadas. O ministro Nelson Jobim tem usado esse exemplo para demonstrar como as decisões de investimentos na área militar eram, e ainda são, uma discussão exclusiva das próprias Forças, sem qualquer diálogo com os demais setores do governo e da sociedade.
Ser considerado uma prioridade exclusivamente da Marinha era o pretexto do governo para cortar o orçamento do projeto do submarino. Da mesma forma, ser decisão exclusiva da Marinha permitia também à Força resolver unilateralmente, caso quisesse, não investir mais no projeto.
Além de aumentar o orçamento e de prometer investimentos no setor, Jobim quer que a construção de uma estratégia conjunta, criada pelo governo e discutida pela sociedade, passe a estabelecer os gastos das Forças Armadas. Mas num primeiro momento os recursos para o reaparelhamento irão para projetos que já estavam em andamento. Depois, Jobim pretende criar uma nova política nacional de Defesa, que ele espera ver definida para ser anunciada com pompa e circunstância em 7 de setembro de 2008.
Um primeiro ensaio do que o governo quer daqui para frente: pela primeira vez o orçamento das Forças Armadas foi definido de forma conjunta numa reunião presidida pelo ministro da Fazenda. Até então, cada comandante determinava os seus gastos e o Ministério da Defesa funcionava quase como um despachante, reunia os papéis e os encaminhava para a elaboração orçamentária.
Agora, Jobim reuniu-se com os três comandantes para traçar as prioridades. O Exército centrou-se na instalação de uma fábrica no Sul do País para a recuperação de tanques e demais blindados e no projeto de construção de radares tridimensionais, usados em baterias antiaéreas para orientar a mira dos canhões e metralhadoras. A Marinha, no projeto do submarino nuclear e na reforma de seus navios. E a Aeronáutica, no projeto F-X (caças supersônicos), na compra de helicópteros e de jatos para o transporte de tropas.
Depois disso, a definição das prioridades passará a responder a uma nova lógica. “Até agora, quando as Forças Armadas se queixavam que precisavam de mais dinheiro, isso parecia uma mera reclamação corporativista, porque a sociedade não tem real clareza dessa necessidade”, avalia Jobim. Para o ministro, os gastos precisam estar vinculados a uma definição clara.
Para estabelecer essa política, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou no dia 6 de setembro um decreto que criou o Comitê Ministerial de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa.
O comitê é presidido por Jobim, coordenado pelo ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, e integrado ainda pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega; do Planejamento, Paulo Bernardo; da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende; e pelos comandantes das três Forças.
“É preciso uma estratégia que reflita a missão de cada Força”, explica Jobim. “Para, digamos, monitorar o território, do que precisa a Marinha? E a Aeronáutica? E o Exército? E, ainda, de que forma as Forças podem trabalhar em conjunto?”
A inversão de filosofia, segundo o ministro, se daria da seguinte forma: a Marinha não mais define que precisa ter um submarino para fazer o patrulhamento da costa brasileira; ela primeiro define que, entre as suas tarefas, precisa patrulhar a costa brasileira; para fazer esse patrulhamento, necessita do submarino.
Embora a estratégia de defesa esteja apenas começando a ser alinhavada, já há alguns aspectos estabelecidos.
A Política Nacional de Defesa, já transformada em lei, estabelece que a estratégia militar brasileira é dissuasória, ou seja, defensiva.
Outro ponto fundamental acertado é que a aquisição de armas e equipamentos precisa garantir ao máximo possível a autonomia nacional. As Forças Armadas não podem correr o risco de, na hora de um conflito, sofrer um bloqueio do repasse do armamento.
A idéia é estabelecer uma estratégia que privilegie, sempre que possível, a indústria nacional. Para isso, o governo exigirá, na compra de material bélico, transferência de tecnologia para o País.
“Comprar material de defesa sem garantia de transferência tecnológica é abdicar da soberania”, afirma o empresário Jairo Candido, do grupo Inbra, presidente do Departamento de Defesa da Fiesp.
Nas compras de aviões de transporte de tropas pela Aeronáutica, esse critério já deverá ser observado. No caso do avião, a escolha deverá recair sobre um projeto nacional, da Embraer, um jato com a mesma capacidade de transporte (20 toneladas) dos atuais Hércules C-130, turbo-hélice.
Definir parâmetros que defendam a indústria nacional nas compras de equipamentos não é tarefa simples. O governo terá que modificar a Lei de Licitações para criar critérios que justifiquem o privilégio a uma empresa nacional. Hoje, essa lei determina a vitória pelo menor preço, sem levar em conta a nacionalidade do fornecedor. A mudança já foi defendida por Mangabeira Unger. O ministro defende até mesmo a possibilidade de não haver licitação para determinadas compras estratégicas. “Se queremos ser um grande país, se queremos nos defender sem nos intimidar, temos que nos armar”, disse ele. O desafio do comitê que Unger coordena será definir um critério transparente, que não deixe tais aquisições, evidentemente milionárias, ao sabor de corrupção e propinas.
o brasil deve sim ,se reamar porque se não o brasil poderia perder uma possivel guerra ,contra um pais muito inferior a nos........
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