Em entrevista ao Projeto Brasil, o Ministro da Defesa adianta aspectos da nova politica industrial para a defesa
Luís Nassif
Na sala de reuniões do Ministro da Defesa Nelson Jobim é possível ver uma pilha de livros sobre defesa nacional e tecnologia. Desde que foi indicado Ministro, Jobim tem se debruçado sobre um tema que não dominava. Como advogado e intelectual, Jobim não teve maiores dificuldades em dominar rapidamente os fundamentos do tema e identificar os pilares centrais de uma política de defesa.
Auto-suficiência interna na fabricação, compras públicas com imposição de transferência de tecnologia, visão estratégica se sobrepondo à mera questão do menor preço, articulação dos esforços de pesquisa das Forças Armadas e com o setor privado.
Além disso, definiu etapas claras para a construção do plano de defesa, seguindo a ordem correta: primeiro, definindo os objetivos para depois chegar aos meios.
Essa entrevista foi concedida em Brasília.
LUÍS NASSIF – O que o Ministro pensa a respeito da política industrial e da política defesa?
NELSON JOBIM - O critério que se tem tradicionalmente é que cada Força – Marinha, Exército e Aeronáutica - fixavam suas necessidades de material. E aquilo era feito da perspectiva interna (e não tinha outra) e das idiossincrasias de cada Força. Então, se um Comando era simpático a um departamento, privilegiava isso ou aquilo. Nós começamos a discutir e já falamos com as três Forças e sugerimos ao Presidente a criação do Comitê de Formulação de um Plano Estratégico Nacional de Defesa. Esse comitê é composto pelo Ministro da Defesa, que é o presidente, pelo Roberto Mangabeira Unger que é o Coordenador. É integrado ainda pelos três Comandantes das Forças, assessorados cada um deles pelos seus Estados Maiores, Ministro da Fazenda, Ministro do Planejamento e Ministro da Ciência e Tecnologia.
Nós já fizemos reuniões setoriais preliminares, que envolvem o Ministro da Defesa, o Mangabeira e cada uma das Forças: uma com a Marinha, uma com o Exército e outra com a Aeronáutica. Em cima disso nos propusemos para cada um das Forças uma série de questões e hipóteses de defesa.
Por exemplo: Monitoramento de Fronteira em Litoral no Território Brasileiro em Tempos de Paz. Essa é a hipótese A primeira pergunta (que é genérica) seria: como a Força pretende executar a tarefa? É evidente que a Aeronáutica diz respeito ao espaço aéreo, o Exército diz respeito às fronteiras e a marinha às costas e fronteiras.
Respondida essa pergunta, aí vêm as perguntas específicas, considerando as respostas que eles tenham dado. Uma diz respeito ao perfil das tropas e à organização. Ou seja é preciso mudar o perfil das tropas? Como essa tropa se organizaria para cumprir essa tarefa?
Segundo: quais as mudanças operacionais das tropas, em termos de operações estratégicas. Terceiro: Quais os equipamentos necessários para cumprir a tarefa. Então, o equipamento nas Forças surge a partir da formulação do Plano e não é uma conseqüência ou necessidade dela própria.
LN – Há duas concepções de defesa nacional, uma (que é atual), de muitos soldados em uma estrutura ampla; e a outra, uma estrutura enxuta mas com grande mobilidade. Isso não está pré-definido?
NJ – Essa é a discussão. Isso vai surgir do Plano. Não adianta partir da parte teórica.
Nós temos que monitorar o território. O que fazer na hipótese de penetração do território nacional por uma força paramilitar? E com problemas da GLO - Garantia da Lei e da Ordem -, quais são as condições para se fazer isso. As Operações de Paz, tipo Haiti que estamos participando... Definindo quais são as tarefas, nos vamos chegar na modelagem. Essa sua pergunta está aqui: como é que se organiza?
Na Amazônia não há de se falar de uma organização militar baseado em tanques. Como se faz o monitoramento do território amazônico?
E a quarta pergunta que se faz a cada uma das tropas é como elas podem colaborar com as outras Forças no cumprimento da tarefa. E aqui vem a questão da integração. Depois você tem algumas perguntas que são transversais a todas elas.
A idéia é: nós temos, para tudo isso, a necessidade da criação de uma Tecnologia Independente, e aí diz respeito ao setor privado. Nós precisamos ter indústrias de defesa que nos dêem ou nos viabilizem esses equipamentos considerando essa Política Nacional e Estratégica de Defesa. Ou seja, significa que precisa ter equipamento, que não precise vir de fora. Aqui tem uma decisão política.
As Forças terão trinta para nos responder essas hipóteses e depois vamos sentar com cada um desses comandos. Aí, definido isso, sentamos os três, e tentamos reunificar os projetos. Depois entram o Planejamento, a Fazenda e Ciência e Tecnologia.
LN – Para se ter essa tecnologia independente, há a necessidade de garantia de recursos orçamentários, não é?
NJ – Para garantirmos isso vamos ter que ter uma política de compras públicas. Você não pode pretender que se possa criar uma indústria brasileira que vai ser exclusivamente alimentada pelas compras públicas. Então vamos ter uma política latino-americana ou sul-americana de exportações para viabilizar políticas de exportações dessas indústrias, para assegurar uma possibilidade de lucro, inclusive exportações mundiais. No ano que vem vou circular por toda América Latina, em especial na do Sul, em contatos e tentar formular estruturas, com os governos sul-americanos, critérios de Defesa.
Têm empresas nossas, como a Avibrás, que exporta para a Arábia Saudita e nós não compramos deles. Então tem que ter política de compras públicas e flexibilização no processo das regras de licitação. Não pode mais ter licitação como se fosse comprar de qualquer um. Senão, não tem sentido. E outra: jogar também os institutos tecnológicos das Forças nessa regra.
LN – Tem um linha de Institutos bastante diversificada que não se falam entre si. Vai ter algum organismo supervisor?
NJ - Temos grandes desenvolvimentos tecnológicos no Projeto Aramar, submarino nuclear e da produção nuclear que estão se desenvolvendo dentro do pólo da Marinha. Você tem centro de excelência aeronáutica, mas tem o problema de sobreposição. É preciso estabelecer uma forma de diálogo de complementaridade. A idéia é que através desse projeto não só se tenha na Defesa Nacional, suas obras razoavelmente multiplicadas, mas tenhamos também o desenvolvimento no setor privado. A razão é simples. Se seus insumos militares dependem de importação e exportação você está aniquilado.
LN – Aqui entram dois aspectos relevantes dessa Política que é a questão do offset (as contrapartidas exigidas nas compras públicas) e da compra do FX (a licitação de caças) e do submarino nuclear.
NJ – Isso é o problema da tensão que nós vivemos. Nós temos a necessidade de criar um Centro de Tecnologia Independente de um lado, e de atender às necessidades de coisas atuais. Então você tem que conciliar essa tensão, esses conflitos dialéticos entre essas duas situações. A idéia é: as aquisições que venhamos a fazer serão todas elas com procedimentos de transferência tecnologia.
LN – A transferência de tecnologia é um ponto fundamental. Na licitação anterior do FX havia vários candidatos, alguns oferecendo mais tecnologia outros menos tecnologia havia um veto dos EUA em relação à transferência de tecnologia.
NJ – Esse é um grande problema ... uma grande disputa
LN – Mais isso vai ser um fator decisivo...
NJ – Ou abre a tecnologia ou não vence a licitação. É a mesma coisa não só no FX, mas também a fabricação de helicópteros. Estamos discutindo a instalação e fabricação de helicópteros, negociando com Helibras. Comprar fora está fora de cogitação: se você tem produção nacional a perspectiva é produção nacional.... Não há razão de investir num preço mais barato se você não tem possibilidade de criar um pólo independente. Essa é a política que nos pretendemos.
LN – A idéia é se for comprar um submarino ou se for comprar avião, há a necessidade de um parceiro brasileiro que possa absorver a tecnologia.
NJ – Se não vai ficar a vida inteira nessa coisa. E a indústria nacional não vai existir nunca. você não tem condições de pensar que essa indústria, como a Agrale, possa concorrer com a indústria estrangeira. Não tem como. Imagina o seguinte: os jipes da Agrale, os Marruás poderão concorrer com os Land Rover? Não. Agora seria interessante para nós comprarmos o Land Rover ao invés de comprar os Marruá? Mesmo que a Agrale tenha condições e tecnologia menores que a tecnologia dos Land Rover nós temos como desenvolver isso.
LN – Isso significa mudanças nas leis das licitações?
NJ – Já teve alterações, mas não o suficiente. Na Lei diz assim “É dispensável licitação” no artigo foi introduzido um dos dispositivos diz assim “para o fornecimento desses serviços produzidos ou prestados no país, que envolvam cumulativamente alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão especial designada por autoridade máxima do órgão”, ou seja, poderia se comprar isso sem licitação, desde que tivesse as duas condições. É evidente que dentro dessa regra quando se fala “alta complexidade tecnológica” isso inclui muita coisa. É preciso alterar isso. Por que nem tudo que se fala da indústria de defesa se vincula a alta tecnologia.
LN – Quando se fala Defesa também fala e Segurança Pública?
NJ – Não.
LN – É a questão de recursos orçamentários, como é que fica ?
NJ – Nós tínhamos destinado pelo Planejamento R$ 6 bi para Forças Armadas, fora folha de pagamento, só investimentos. Eu negociei com o Planejamento e conseguimos mais R$ 3 bilhões.. Então teremos R$ 9 bilhões. Nesses nove bilhões tem um bilhão que vamos conseguir em redução orçamentária. E há um compromisso do governo de nós começarmos a investir em projetos tecnológicos. Desse dinheiro todo tem 130 milhões, que está acertado para ser alocado no projeto Aramar. Na semana que vem vamos bater o martelo em relação ao desenvolvimento do projeto nuclear, a aceleração do projeto nuclear. Eu estive lá e falta pouco para toda nacionalização. Agora há ainda o enriquecimento de urânio e um dos elos da cadeia depende de insumos de terceiros.
LN – O que fabricam lá da pra exportar tranquilamente. E uma das melhores tecnologias que se tem por ai
NJ – Tanto que os EUA estão loucos para descobrir como são as nossas usinas.
LN – Em relação ao FX e ao submarino que envolve valores mais substanciais, já tem algum horizonte?
NJ – Nós vamos definir até o fim do ano. A minha idéia era definir tudo até fevereiro. Para o plano estratégico a data final desse plano é setembro do ano que vem - sete de setembro – é uma data simbólica. Em seis de setembro apresentaremos isso para o Presidente. Nós vamos ter soluções intercorrentes. A nossa idéia é que em março fecharíamos definições de critérios de submarino nuclear, que é fundamental. Hoje em dia desapareceram certos dogmas em matéria de defesa. Por exemplo, você não deixava sobrevoar o espaço aéreo para não tirar fotografia dos locais. Isso é loucura. Não tem mais sentido. Por exemplo, os navios de guerra perderam eficácia, embora sejam absolutamente necessários ainda, pois tudo que tiver em superfície você enxerga.
LN - O submarino é o único que não aparece.
NJ – E tem capacidade de circulação. você tem que ter uma capacidade dissuasória que impeça a reunião de tropas e armadas de guerra perto do território brasileiro.
LN – Se pegar os pontos críticos no país : Amazônia, plataforma de petróleo...
NJ – Praticamente isso. A marinha chama de Amazônia Azul. Tem esses dois pontos fundamentais: uma é a Amazônia e a outra é o mar. E a Amazônia tem uma característica completamente distinta, por exemplo, do centro-oeste. Qualquer tentativa na Amazônia só pode ser com tropa. você não vai pensar que o cara vai colocar bomba em cima da Floresta. Então tem que ser tropa. Daí o tipo de estratégia tem sua especificidade. E tropa em uma floresta adversa pra burro.
Por isso eu visitei diversos postos. Nós já fomos em 17 unidades. Aí mostra as necessidades e aí faz surgir os equipamentos. As vezes as pessoas pensam, mas é uma a unidade militar com 30 ou 40 soldados. Mas o sentido disso não é os 40 soldados pra resistir a uma invasão, mas 40 soldados que vão advertir sobre o que está acontecendo.
E com isso você começa a identificar problemas e necessidades. Tem que ter radar em terra, nesse postos precisam ter soldados com instrumentos de visão noturna? O Brasil não tem, não fabrica isso. São coisas que você só identifica quando está com pé no chão.
LN – No Campo de Marte a Aeronáutica tem um sistema de certificação de produtos. Os produtos certificados, de armamento a fardamento, vão para um catálogo da OTAN. Pretende-se utilizar essa possibilidade?
NJ – Claro. A pergunta é: o que nós necessitamos? Por isso nós não temos uma resposta com base numa política. A idéia que está se percebendo que ao próprio decreto que instituiu o grupo define que esse Plano de Defesa Nacional tem que estar conectado com o Plano de Desenvolvimento do País. O plano do desenvolvimento industrial está embolado nisso. De forma tal de que isso deixe de ser Defesa (que é mudança de cultura) deixe de ser Defesa algo que seja da Agenda Militar porque Defesa integra a Agenda Nacional.
LN – Porque o BNDES não está nesse grupo setorial?
NJ – Estão o Ministério do Planejamento e da Fazenda. Depois entra o conjunto. Agora não podemos definir que tipo de equipamento sem ter uma decisão de governo, de Estado sobre a política de defesa.
LN – O setor privado não foi chamado ainda
NJ – Nesse primeiro momento não. Depois disso, nós vamos pedir para o Paulo Skaf, presidente da FIESP. Eles tem lá um trabalho que nos mandaram é o Comdefesa – Comitê de Cadeia Produtiva da Indústria de Defesa – com quem vou ter uma reunião até o fim do ano. Eu já tive uma reunião com a indústria de defesa que quer isenção de tributos, minimação de custos. Mas eu não posso falar em minimação de custos sem ter o que comprar. Essa definição vai me dizer o que fazer.