Proposta de orçamento do Ministério da Defesa prevê aumento de R$ 6,9 bilhões para R$ 9,1 bilhões em 2008
FAB negocia helicópteros
Evaristo Sá - 16.dez.2005/France Presse
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
As Forças Armadas brasileiras não têm condições de enfrentar guerras de forma efetiva e consideram a Venezuela de Hugo Chávez a principal ameaça à estabilidade regional. O cenário, com tons mais ou menos alarmistas, não é uma novidade. De repente, contudo, o assunto ganhou urgência.
O presidente Lula falou sobre a necessidade de reequipamento, o Ministério da Defesa aponta fraquezas estratégicas, a FAB diz que não pode voar nem 40% dos seus aviões, a Marinha confessa sua inoperância e um dos principais aliados do governo, o senador e ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), aponta o dedo diretamente para a "ameaça chavista".
O que está por trás disso? A resposta está nas próprias Forças Armadas. Segundo a Folha apurou com oficiais superiores, a campanha armamentista de Chávez deu a desculpa ideal para que os militares pudessem apresentar em público e nos bastidores suas demandas sem temer o patrulhamento ideológico do qual alegam ser vítimas desde o fim da ditadura, em 1985. A ironia histórica é isso acontecer no governo de seus antigos adversários.
Os resultados começam a aparecer, restando agora saber se haverá direcionamento estratégico coerente para os investimentos -ou se negócios nebulosos e perdulários continuarão a dar o tom.
O dinheiro surgiu. Primeiro, a previsão de aumento de R$ 6,9 bilhões para R$ 9,1 bilhões para investimentos militares na rubrica orçamentária do Ministério da Defesa para o ano que vem.
Na semana passada, a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara aprovou uma emenda de quase R$ 1 bilhão para o governo desenvolver processamento de urânio e investir num avião de transporte que a Embraer ofereceu criar para a Força Aérea Brasileira trocar seus Hércules - a emenda está no Plano Plurianual, que ainda será apreciado e definirá o que estará no Orçamento dos próximos quatro anos.
Ainda no campo aeronáutico, a FAB reabriu uma compra de helicópteros estimada em R$ 600 milhões na semana retrasada. O negócio é peculiar. Fomentado no passado pela FAB e pelo então ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), buscava comprar diretamente equipamento russo - o helicóptero de ataque Mi-35M e o de transporte Mi-171, não por acaso modelos comprados pela Venezuela.
Furlan queria embutir uma compra de frangos por Moscou no negócio, a exemplo do que já fizera na F-X, a famigerada concorrência para compra de caças - enterrada após muita pressão política de concorrentes e governos. Mas Furlan, chamado maldosamente de "ministro das galinhas" por militares, por ser sua família dona da exportadora de frangos Sadia, acabou saindo do governo, e a FAB trocou de comando.
Assim, o negócio direto com os russos virou agora uma espécie de concorrência. A proposta de Moscou foi entregue em envelope fechado, assim como a de dois grupos europeus. Dentro da FAB, há quem bombardeie a compra, dizendo que ela não obedece a critérios estratégicos claros - seria apenas uma resposta às aquisições similares venezuelanas. Além disso, comprar da Rússia significa contrariar os EUA, um movimento politicamente delicado.
Outra crítica possível é sobre a realização de programas custosos e de retorno duvidoso, como os US$ 400 milhões [cerca de R$ 700 milhões] gastos para renovar oito aviões de patrulha marítima obsoletos, ou a lenta modernização da frota de caças táticos F-5 e caças-bombardeiros AMX.
Os cinco principais negócios militares em curso no Brasil listados pelo IISS (Instituto Internacional para Estudos Estratégicos, o principal do gênero no mundo) são no setor aéreo; isso não é casual. Sem superioridade aérea, não há vitória no conflito moderno. Como disse o comandante da FAB, Juniti Saito, hoje o Brasil é apenas o quarto poder nesse campo na América do Sul.
Isso está na pauta dos lobistas da área militar. O discurso é indireto, e encontra respaldo no Legislativo. "Nossas emendas só têm a ver com planejamento de longo prazo, para suprir demandas e ainda fortalecer a indústria nacional, não são respostas à Venezuela", disse o presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, Júlio Semeghini (PSDB-SP). Mas ele confirma que a Defesa convidou membros da comissão para conhecer o estado da proteção de fronteiras.
Fronteiras do Brasil
Não se imagina nada como o bombardeamento de território brasileiro, tema de exercícios simulados do Comando da Amazônia recentemente, e factível com o poder dos Sukhoi comprados por Chávez. Há outras opções para o venezuelano: um entrevero com o bastião dos EUA na região, a Colômbia, ou uma conquista na Guiana, de quem reivindica cerca de dois terços do território.
Nesses casos, perguntam-se os oficiais brasileiros, o que o Brasil poderia fazer? Uma nota condenatória do Itamaraty é a resposta mais provável.
Além disso, Chávez está se alinhando progressivamente com o "inimigo número 1" dos EUA, o Irã, e com a China, o poder emergente do século 21. Circula entre os militares um temor sobre as intenções chinesas sobre o Atlântico Sul.
Afinal de contas, mais de 90% do comércio mundial passa por navios. Pequim já negocia com as Maldivas a construção de uma base naval para sua frota no Oceano Índico. Na outra margem do Atlântico Sul, já há preocupações. "Há um crescente desconforto público aqui sobre um certo imperialismo chinês. Os governos africanos querem o dinheiro chinês, mas não querem trocar um bando de imperialistas exploradores por outro", afirmou o analista militar sul-africano Leon Engelbrecht.
Com uma Marinha que diz ter apenas metade de seus 21 navios em condições parciais de uso, fica difícil imaginar como o Brasil poderia criar dissuasão regional - e proteger suas reservas petrolíferas de águas profundas. O responsável pelo Plano Estratégico de Defesa Nacional brasileiro, general José Benedito de Barros Moreira, resumiu a situação em entrevista recente à Folha: "Uma esquadra de um país de porte médio pode parar o Brasil a qualquer momento, basta fazer um bloqueio contra Rio de Janeiro e São Paulo."
No discurso, o governo lembra o passado pacífico recente do Brasil para esfriar as expectativas. O ministro Nelson Jobim (Defesa) negou na quarta-feira passada que o país esteja preocupado com os movimentos venezuelanos. Defende o Plano de Defesa, a ser entregue em setembro do ano que vem, como marco para a definição dos novos investimentos.
De um modo ou de outro, mesmo que o lobby dê certo, poucos na cúpula militar acham que o Brasil recupera a capacidade de autodefesa plena em menos de duas décadas. O que é uma eternidade para o mundo da globalização.