Jânio de Freitas
OS PLANOS armamentistas do Brasil, surgidos de repente e como que do nada, com objetivos encobertos por argumentos improvisados, não se limitam às armas convencionais de guerra, insusceptíveis de restrições por acordos e organismos internacionais. O ministro Nelson Jobim deu indicação nítida nesse sentido, apesar de não percebida pela imprensa, em sua intervenção na 4ª Conferência Internacional do Forte de Copacabana, realizada nos últimos dias.
O aditivo ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Atômicas (o TNP), que procura dar-lhe mais eficiência e rigor, precisa ser visto com reserva pelo Brasil, ao que Jobim disse com a franqueza suficiente nas circunstâncias - diante de representantes da União Européia, do ministro da Defesa de Portugal e de outros numerosos participantes estrangeiros, militares e civis. Isso, portanto, significa mudança na orientação oficial brasileira, direcionando-a para concepções de correntes militares.
A idéia de um submarino nuclear, a pretexto de vigiar os mais de 800 km da nova bacia petrolífera que cobre do Espírito Santo a Santa Catarina, não precisaria aparecer ali, ainda mais com tal argumento, mas deu-se muito bem como acompanhamento da referência de Jobim ao TNP. Uma ilustração leve, digamos.
Em um dos encontros recentes de militares, parlamentares, diplomatas e alguns outros, para troca de informações e análises sobre relações exteriores, segurança e temas correlatos, um alto representante do Exército avançou, em objetividade e clareza, bem mais do que Jobim. Foi, a rigor, até o ponto final: falou na necessidade de que o Brasil domine todo o ciclo da energia nuclear, o que inclui, mais do que o submarino, artefatos de explosões nucleares.
Até onde o atendimento a esta alegada necessidade já progrediu, é quase um ministério, como é próprio de projetos militares. Sabe-se, por exemplo, que a Marinha, desde sempre dotada de quadros mais qualificados técnica e cientificamente, há muito tempo desenvolve pesquisas e equipamentos de processos nucleares. É certo haver outras atividades nesse sentido.
Mas o desconhecimento a respeito dessas atividades não é só do próprio Brasil. Com ajuda decisiva do governo dos Estados Unidos, o Brasil conseguiu que a Agência Internacional de Energia Atômica se fingisse de satisfeita com explicações verbais, ao ser barrada quando pretendeu inspecionar as características, e daí deduzir as finalidades possíveis, de instalações brasileiras de processamento de urânio. O governo Lula desfruta de privilégios, por parte do governo Bush, que se invertem em relação ao Irã, apesar de lá a Agência estar em inspeção ampla e, até agora, sem problema e sem descobertas alarmantes.
Hugo Chávez não é brindado com o mesmo prestígio, o que leva a se esperarem reações fermentadas à sua afirmação, semana passada, de que vai aplicar na Venezuela um projeto de uso da energia nuclear com os modelos do Brasil e da Argentina. Referia-se, ao que pareceu na ocasião, a uso pacífico, até por não constar a existência de projeto militar dos argentinos.
Certo é que as referências, no Brasil, à aquisição de armamentos e à energia nuclear para fins militares não são reações a Hugo Chávez. Pela simples e definitiva razão de que isso não teria sentido - assunto de próximo artigo. A motivação da mudança que se introduz no Brasil é obscura, mas a dimensão de seus efeitos, internos e externos, já se sabe que só pode ser grande e grave.