Cristovam Buarque
Na Comissão de Relações Exteriores assistimos ao depoimento do Almirante Júlio Soares sobre a situação da Marinha no Brasil. Amanhã, é fácil imaginar quais serão as possíveis manchetes dos jornais. Provavelmente sobre a subida do dólar, sobre algum vazamento da Polícia Federal, alguma notícia de corrupção, alguma notícia sobre violência urbana.
Mas eu creio que a mais importante manchete amanhã, se ela fosse refletir o que eu assisti hoje, a maior manchete, a de maior repercussão para o futuro do Brasil seria dizer: em 2025, a Marinha do Brasil não existirá mais.
Foi isso que o Almirante, Comandante da Marinha, com muita competência, com muita franqueza, colocou para nós: um quadro onde ele mostrava o que vai acontecer se não houver uma reversão da tendência, o que vai acontecer se a tendência continuar, em 2025.
E ele colocou em letras garrafais a palavra “fim” da Marinha no Brasil.
Lamentavelmente, essa não vai ser a manchete, porque, lamentavelmente, enquanto isso acontece o que vemos? O Ministro da Defesa, recém-chegado, não passa hoje do gerente do tráfego aéreo brasileiro.
Não é um Ministro da Defesa, é um gerente, um diretor, um presidente da Infraero. Não assumiu! E ainda mais grave: preocupado, entre outras coisas, com a distância entre as cadeiras, esquecendo que não é só gente alta que tem problemas nos aviões. O gordo e o deficiente físico também têm. Não apenas os altos como ele.
Um Ministro da Defesa é para pensar a segurança nacional; onde estarão a Marinha, a Aeronáutica, as Forças Armadas em 2025, 2050, 2100. Não vemos essa preocupação. E não me digam que essa preocupação não é urgente.
Ela é urgente! E não me digam que isso não está na cabeça das pessoas, porque se não está na cabeça das pessoas, nós, como líderes, temos de colocar nas cabeças do povo brasileiro o que de fato é importante.
Claro que o problema do tráfego aéreo é importante. Mas basta um bom gerente cuidando disso na Infraero. Basta chamar o comandante da Aeronáutica e dizer “ponha ordem nisso, senão eu o demito”.
É nomear um gerente e dizer: “ponha ordem nisso, senão você não fica mais de um mês”. E deixe o Ministro cuidar dos problemas fundamentais da defesa nacional. Mas não é só o Ministro.
E enquanto a Marinha caminha para isso, o que vemos neste Senado? Preocupados nós com os problemas que ameaçam o Presidente do Senado; preocupados com pequenas coisas de um lado para outro, no máximo convidando aqui o comandante da Marinha para falar para um pequeno grupo de senadores na Comissão de Relações Exteriores.
Será que a gente não tem por obrigação, cada um de nós, de mostrar ao povo brasileiro o que vai acontecer no momento em que nossa Marinha se transformar em fantasmas?
Será que não é importante dizer que este País tem 8,5 milhões de km2 de terra, mas tem 4,5 milhões de km2 de mar? É mais da metade do território brasileiro o espaço marítimo que o Brasil tem.
Será que não vale a pena lembrar que 90% do comércio chega e sai do Brasil por vias marítimas? Que 80% do petróleo vem por vias marítimas? Que a perda do controle das fronteiras marítimas e a falta de uma Marinha podem, sim, ameaçar isso? É uma tragédia nacional.
Será que a gente não tem que alertar que grande parte dos recursos nacionais, não só petróleo, estão debaixo do mar? É lá que vamos encontrar a fonte de recursos. Lamentavelmente, não vemos isso no Ministro da Defesa, nem entre nós senadores.
Diante de nós, uma tragédia está sendo escrita, e a gente não está lendo. E 2025 é depois de amanhã. Mas, o mais grave, para se reverter isso: levam-se cinco anos só para fazer um navio; levam-se dez anos para se trazer uma nova estratégia.
Se começarmos hoje, talvez já estejamos chegando atrasados. E o pior é que a gente sabe que não vai começar hoje, nem no próximo ano, E não sabemos se vamos começar no ano seguinte. A tragédia se anuncia, e a gente, discutindo outras coisas.
Eu não disse coisas menores, porque as coisas todas são importantes, mas coisas cujas conseqüências não terão a tragédia do que é fundamental. E uma das coisas fundamentais, em um país que tem o espaço aéreo brasileiro, que é o quarto ou quinto maior do mundo, que tem 7.540Km de costa, talvez a terceira ou quarta maior do mundo inteiro.
Temos uma Amazônia cobiçada internacionalmente, cuja defesa, em parte, será feita pela Marinha, ou não será feita. Temos fronteiras com dez países e talvez poucos tenham tantas fronteiras terrestres como nós temos.
São 14 mil quilômetros de fronteiras a serem preservadas, protegidas, não só de governos estrangeiros, protegidas porque em algum momento a migração internacional pode ameaçar a estabilidade brasileira, protegidas porque o tráfico penetra por elas, protegidas porque a cobiça internacional por recursos entra por elas, e um dos recursos mais escassos futuros será água, e o Brasil é um portador desses recursos na maior quantidade.
Hoje, estamos abandonando a Marinha, a Aeronáutica, o Exército como se fôssemos uma nação pequena, menor e não um país com a necessidade de se comportar como potência.
Fala-se em potência com base no PIB. É claro que o Produto Interno Bruto é um indicador, mas mais importante do que o Produto Interno Bruto de hoje é a capacidade de produzir mais amanhã e isso a gente não está tendo.
Não está tendo porque, daqui para frente, o Produto Interno Bruto será criado pela ciência e pela tecnologia, será defendido por Forças Armadas preparadas, competentes e patrióticas. Isso a gente não está vendo do ponto de vista de nós, os líderes nacionais, darmos às Forças Armadas.
Eu imaginava que um Almirante pudesse vir ao Senado para falar do cenário do futuro, das estratégias de como a gente vai se comportar no Atlântico Sul, como vamos nos comportar nas vias fluviais que fazem fronteira com outros países. Quais são os cenários para proteger a Amazônia através do Rio Amazonas?
Quais são os cenários de estratégia para fazer da Marinha um importante centro de formação da consciência nacional e nacionalista brasileira. Lamentavelmente, em vez disso, o Almirante é obrigado a usar de sua competência e firmeza para dizer: nós estamos pedindo socorro.
Vejam a situação em que vive a nossa Marinha. Dos 21 navios existentes, 11 estão imobilizados – 10 operam com restrições. Dos 5 submarinos, 2 imobilizados e 2 operando com restrições. Então, só tem 1. Dos 58 helicópteros, 27 estão imobilizados e 31 operando com restrições – todos. Das aeronaves, 23 – 21 delas imobilizadas e 2 operando com restrições.
Não é a Marinha que nós precisamos para o tamanho do Brasil. Agora, isto explica porque. Se nós analisamos os dados da vida do arsenal, dos submarinos – que há necessidade – 12. Só temos 5. Sabem qual a idade deles? Em média, 10 anos. A idade dos navios-patrulha – 14 anos.
A idade do porta-aviões – 46 anos, antes da revolução eletrônica, antes da revolução de grande parte da arquitetura naval. Dos navios-escola, a idade média é de 27 anos; navios de apoio logístico móvel – a idade média é de 31 anos; navios varredores e caça-minas – a idade média é de 34 anos. Navios-patrulha fluviais a idade média é de 33 anos. Navios de transporte a idade média é de 36 anos.
Se olharmos as embarcações de desembarque, 28 anos é a idade média. Os navios de assistência hospitalar têm 17 anos de idade média; os helicópteros têm idade média de 15 anos e os aviões, 30 anos. Aqui não precisamos falar em Tamandaré. Seria bem capaz de Santos Dumont pilotar um avião desses.
Como se pode considerar que tem futuro um País do tamanho brasileiro se não realizarmos a discussão de como resolver esse problema. A Marinha tem competência se dermos recursos, que sendo aplicados a Marinha será fortalecida, criará emprego, dinamizará o setor de ciência e tecnologia.
Os Estados Unidos desenvolveram o setor de ciência e tecnologia em grande parte graças à defesa do próprio País. Foi a pesquisa, para levar adiante a defesa, que permitiu as descobertas que transformaram este País nas últimas décadas.
Confesso que não sabia que durante a Guerra do Paraguai, há 140 anos, a Marinha de Guerra Brasileira era a mais potente do mundo inteiro. Ou seja, a Marinha mais potente do mundo, em torno dos anos de 1860 a 1870, no tempo da Guerra do Paraguai, era a nossa.
E hoje? Um País que se transformou na oitava potência em PIB é uma das últimas em educação, é uma das últimas na proteção à saúde, é uma das últimas em moradia, é a última em concentração de renda e, sem dúvida alguma, é uma das últimas em termos Forças Armadas que correspondam à dimensão do nosso País de hoje, e, sobretudo, à dimensão do que a gente espera para o futuro.
Lamentavelmente, fica difícil levar esse sonho de Forças Armadas casadas com um País crescendo potente quando a gente vê. Espero que tentemos casar os sonhos que temos para um país potente com as Forças Armadas que correspondam a essa potência.
Não vamos ter uma boa defesa se não tivermos a perspectiva de longo prazo e o sentimento de nação. Hoje, essas duas coisas estão faltando no Brasil. Não há sentimento de nação nem perspectiva de longo prazo e de futuro.
Um país que não é uma nação é um país que não apóia suas Forças Armadas. E nós, Senadores, não estamos fazendo o dever de casa para que as próximas gerações tenham a tranqüilidade de contar com forças democráticas, de Forças Armadas, que, além de democráticas, sejam também eficientes e competentes para defender o Brasil.
Cristovam Buarque é senador pelo PDT do Distrito Federal. Correio eletrônico: cristovam@senador.gov.br.
Não é uma nação o país que não apóia suas Forças Armadas
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