Eduardo Italo Pesce – Monitor Mercantil
A conjuntura estratégica mundial do início do Século XXI é caracterizada pela assimetria e concentração do poder, mas também pela ausência de antagonismos dominantes entre grandes potências. Isto favorece a consolidação de uma ordem marítima baseada no comércio e na cooperação entre as nações.
Quaisquer interrupções nas atividades marítimas vitais causariam enormes prejuízos ao Brasil - que depende do comércio exterior e do petróleo produzido no mar ou importado por via marítima. Ao contrário da defesa no mar, que é atividade tipicamente militar, a segurança no mar envolve aspectos civis, podendo incluir atividades de:
1 - proteção de navios e instalações contra ameaças como terrorismo e pirataria;
2 - repressão ao narcotráfico, ao trafico de armas, ao contrabando e à pesca ilegal;
3 - defesa do meio ambiente e proteção dos recursos naturais;
4 - controle de pandemias e outras ameaças à saúde pública;
5 - imposição das normas do tráfego marítimo;
6 - socorro a embarcações acidentadas; e
7 - salvaguarda da vida humana no mar (busca e salvamento).
No Brasil, isso indica a conveniência de uma abordagem interministerial (ou "interagências", como dizem os anglo-saxões) para os assuntos ligados ao mar - uma vez que a Marinha não tem poder de polícia para atuar na repressão a crimes cometidos em águas sob jurisdição nacional. A coordenação entre as agências deve caber à Marinha - cujo comandante exerce as atribuições relativas à autoridade marítima.
No Atlântico Sul, a Marinha do Brasil deverá ter papel de destaque, na segurança e proteção do tráfego marítimo e das demais atividades ligadas ao uso do mar. Para monitorar atividades ilícitas e responder a situações de emergência, poderia ser desenvolvida uma "rede marítima regional", com a participação das Marinhas de países da América do Sul e da África.
A idéia em si não é inédita. Há algum tempo existem iniciativas regionais desse tipo no Mar Negro, no Mar Cáspio, no Estreito de Málaca e em outras áreas marítimas. Em
De acordo com os seus idealizadores, essa iniciativa norte-americana não visa à formação de uma força naval internacional, mas ao estabelecimento de um ambiente marítimo cooperativo, no qual os países participantes possam trocar informações em benefício de todos.
A utilidade prática do conceito foi recentemente demonstrada pela significativa redução da ocorrência de ataques de piratas à navegação internacional no Estreito de Málaca e no Oceano Índico, obtida em função das informações disponibilizadas às Marinhas e guardas costeiras da região.
Na área de interesse imediato do Brasil, já existe o Coordenador da Área Marítima do Atlântico Sul (Camas), cargo exercido em rodízio por um almirante brasileiro, argentino ou uruguaio. O Paraguai também participa desta parceria - a qual exclui os países africanos, atualmente integrados a uma área marítima diferente.
O litoral africano, é bom frisar, é a única área do Atlântico Sul onde há ocorrência comprovada de ataques de piratas. A imprensa tem tendência a exagerar, classificando como "pirataria" simples roubos a mão armada. Outro risco que costuma ser exagerado é a possível associação de piratas (que desejam manter suas atividades em segredo) com terroristas (que desejam publicidade para seus ataques).
A consolidação das áreas marítimas do Atlântico Sul Ocidental e Oriental ampliaria consideravelmente a cobertura regional e o acesso – pelo Brasil e pelos demais participantes – a informações referentes ao tráfego marítimo em toda a extensão deste oceano. O Brasil conta atualmente com o Sistema de Informações do Tráfego Marítimo (Sitram), cuja área de cobertura é limitada.
Para renovar e modernizar os meios de patrulha naval e inspeção naval seria necessário obter navios e aeronaves em número adequado para as Marinhas dos países participantes. Para modernizar os sistemas de comando, controle, comunicações, computadores e inteligência (C4I), seria preciso obter novos sensores e ampliar a capacidade de processamento de dados e informações.
Esta rede de segurança marítima, denominada Parceria Marítima Regional do Atlântico Sul, em português, incluiria plataformas fixas e móveis, com sensores instalados a bordo de navios e aeronaves ou no espaço (em satélites), bem como em plataformas de extração de petróleo no mar, em instalações costeiras ou no leito marinho. A idéia é maximizar o número de nós e sensores da rede, a fim de aumentar sua eficácia.
A Operação Atlasur já é um embrião da idéia aqui apresentada. Esta operação multinacional de adestramento é realizada a cada dois anos, no litoral da América do Sul ou da África, envolvendo unidades das Marinhas do Brasil, da Argentina, do Uruguai e da África do Sul.
Caberia ao Brasil dar o primeiro impulso, no processo de integração marítima dos países das vertentes sul-americana e africana do Atlântico Sul. A ampliação significativa no número de Marinhas participantes na Operação Atlasur seria um importante passo no rumo desejado.
O vácuo de poder, causado pela omissão do Brasil, já está sendo preenchido. Os EUA estão instalando um sistema de sensoriamento nas ilhas de São Tomé e Príncipe, na costa africana, para vigiar parte do Oceano Atlântico e reprimir o tráfego ilícito de navios.
Especialista