COSME DEGENAR DRUMOND (*)
Por suas dimensões continentais e pelas imensas riquezas que possui, o Brasil não pode abrir mão de uma estrutura voltada para defender sua soberania. A extensa costa marítima e o espaço aéreo exigem, obrigatoriamente que o estado brasileiro dê atenção e recursos compatíveis à magnitude das questões ligadas à sobrevivência nacional. Essa preocupação, presente em vários países, tem seu ponto alto no esforço de investimento.
Além da mudança da atual estrutura orçamentária, outra importante conquista da indústria seria ver caracterizados os recursos como investimentos e não como despesas, pois suas aplicações, além de estimular a exportação e gerar empregos e tecnologias, ajudam a aumentar o poder dissuasório do País. A importação de material estratégico ou de tecnologia crítica prejudica a economia interna e deixa o País vulnerável na área militar. Também contribui para minar os esforços de desenvolvimento de novos sistemas estratégicos, outro problema enfrentado pelo setor industrial. A solução seria adotar mecanismos que possam dosar equilibradamente os volumes de importação nessa área, evitando-se os prejuízos à capacidade industrial interna e ao próprio desenvolvimento tecnológico do País.
Os países desenvolvidos têm como estratégia fomentar suas indústrias de Defesa através de instrumentos tributários, elevação de barreiras aduaneiras e de dispensa de tributação para os processos de fabricação. Isso já ocorreu no Brasil, em outros tempos. Mas o retrato que temos hoje no sistema de tributação empregado na produção de materiais de defesa é de um sistema desfavorável ao crescimento do setor industrial, o que ajuda em muito os concorrentes estrangeiros.
A Reforma Tributária é uma ocasião propícia para se reparar as deturpações. No caso das Forças Armadas é surpreendente que as instituições militares paguem impostos para cumprir sua missão constitucional de Segurança Nacional e, com isso, verem diminuídas sua capacidade de compra suplementar. Contudo, a maior barreira ainda são as crônicas restrições orçamentárias, que, além de diminuir drasticamente a produção nacional, levam as empresas a perder terreno no mercado internacional, dificultando sua penetração lá fora. Não se pode esquecer que as compras internas funcionam como certificação para o produto a ser exportado.
Outra desvantagem para a Defesa Nacional consiste no fato de que a indústria estrangeira tem acesso irrestrito ao mercado brasileiro e não paga qualquer tributação. Já a nacional encara pesadas restrições aduaneiras para exportar. O Buy American Act, de 1930, por exemplo, protege os produtos norte-americanos e se mostra praticamente intransponível para a indústria de defesa do Brasil que, além de sofrer acentuada carga tributária, ainda vê seu preço majorado ao exportar para aquele país.
Os atuais níveis de investimentos em Defesa, também merecem atenção. Segundo dados do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, e do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, de Paris, os investimentos em defesa praticados pelos países europeus são de 3,5%, em média, em relação ao PIB. De acordo com as mesmas fontes, o Brasil gasta menos que a metade disso, cerca de 1,8%. Segundo opiniões especializadas, o ideal seria promover um aumento de investimentos progressivo, com base no valor das riquezas do País, até se chegar, por exemplo, a 3,5%, média também adotada em nações de idêntica grandeza relativa.
Desde a década de 1990, a economia mundial ocasionou transformações radicais para o livre comércio. Por exemplo: os processos de unificação de mercados, a guerra de tarifas aduaneiras e o aumento dos fluxos privados internacionais de comércio e investimentos. Ao mesmo tempo, o Brasil implementava seu processo de abertura do mercado nacional e conseguiu dar fim à inflação alta que, entre outros danos e conseqüências, encobria as reais características de um sistema tributário mais preocupado em indexar receitas e postergar despesas do que em respeitar princípios de tributação universalmente aceitos.
Com a estabilidade da moeda, a situação melhorou. Mas a alta carga tributária continua a onerar a produção e montagem dos equipamentos, desde a aquisição de matérias primas. E isso faz aumentar as barreiras para a indústria de Defesa. É certo que alguns impostos têm alíquotas reduzidas. Ainda assim, em razão do caráter acumulativo que emprestam, acabam elevando o preço final do produto, no chamado efeito cascata. Na importação de matérias primas, outros impostos e contribuições são cobrados, uma realidade que tem reduzido a capacidade de reaparelhamento das Forças Armadas em mais de 40%. Se conquistada a isenção de impostos, ou a redução da carga tributária, os valores decorrentes poderiam ser usados em novas compras militares. Outra maneira de oxigenar o setor seria viabilizar a importação de matérias primas e de peças e componentes, através das Comissões de Recebimento no Brasil, diminuindo assim a incidência de impostos.
No atual sistema, os valores são repassados às fontes arrecadadoras, retidos na fonte ou pagos pela indústria antes mesmo da contabilização da receita. Se o contratante atrasar o pagamento, por falta de recursos ou contingenciamento da verba, a empresa, que movimentou sua produção, pagou impostos e contribuições e os salários dos empregados, não tem a receita no prazo contratado. Com isso, é obrigada a lançar mão de recursos suplementares, próprios ou contratados, para suportar o tempo de demora do pagamento, que pode se prolongar até o exercício seguinte. O ônus financeiro que paga por isso acaba contribuindo para retardar planos de investimentos em novos projetos e produtos.
Outro aspecto que ajuda a diminuir a capacidade de produção industrial é a importação de sistemas de emprego militar. Não há incidência de impostos sobre os produtos importados, nem taxas de seguro e de aduana. A Lei 8.666, no seu § 4o do Art. 42 prevê que, em caso de licitação internacional, os preços apresentados devem ser acrescidos pelo fabricante externo dos valores adicionais que incidem sobre o produto brasileiro. Mas isso não acontece, pois não existem normas reguladoras a respeito.
No mercado nacional, quase todos os estados isentam o fabricante de armas e munições do pagamento do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), quando o material é destinado às Forças Policiais. A atuação do setor de Defesa não se restringe a cada estado, mas em todo o território nacional e no mercado externo. O modelo de isenção tributária para os produtos de defesa deveria ser considerado como política pública de desenvolvimento e segurança. O País onera um setor que, por força de lei, tem como único cliente o próprio governo. A dispensa ou redução de impostos favoreceria, em última análise, as Forças Armadas e Auxiliares e as Guardas Municipais, que poderiam adquirir mais e melhores equipamentos.
Vinte anos atrás, o Brasil ocupava a liderança no mercado mundial de defesa, entre os países em desenvolvimento. Isso ocorreu, sobretudo, pela alta capacidade da engenharia brasileira. O País andou para trás nessa aérea por uma série de motivos, entre os quais a carga tributária que se tornou mais vigorosa. É preciso reparar as deturpações e recuperar o tempo perdido. Afinal, as Forças Armadas são instituições perenes.
Nos tempos atuais, a cobiça dos ditadores de plantão não se restringe apenas ao seu próprio quintal. A história tem revelado bem isso. Os conflitos armados tomaram proporções consideráveis e dramáticas que não se pode negligenciar a Defesa Nacional. Não se trata de estimular a fabricação de materiais estratégicos de forma desequilibrada, mas de cuidar bem do patrimônio nacional e garantir a soberania nacional com instrumentos modernos e eficientes, à altura das riquezas do País. Quanto a isso, parece-nos que o governo federal acordou, depois de tantos anos tratando a Defesa Nacional com visível indiferença, em detrimento do País.
(*) Cosme Degenar Drumond é diretor de Redação da revista Tecnologia & Defesa.