CAIO BLINDER
da BBC Brasil, em Nova York
As guerras de George W. Bush podem provocar novas baixas: o moral e o grau de preparação das tropas americanas. Os prolongados conflitos no Iraque e no Afeganistão estão resultando no inevitável desgaste das operações militares e forçando o Pentágono a ignorar suas próprias diretrizes de preparação para acatar a estratégia de guerra e o nível dos contingentes.
Na semana passada, o secretário de Defesa, Robert Gates, confirmou a extensão do tempo de permanência de soldados nas frentes de batalha. A extensão de 12 meses para 15 meses vale para unidades do Exército regular atualmente servindo no Iraque e Afeganistão, assim como para novas levas.
Dois dias antes fora o anúncio do envio de 13 mil soldados da Guarda Nacional para o Iraque. O comando do Pentágono está plenamente consciente dos riscos em termos de moral e desgaste das tropas, mas não tem como se safar da armadilha armada pelo governo Bush.
"Mão-de-obra"
Contra várias recomendações e advertências, a Casa Branca decidiu ir adiante com a escalada da guerra no Iraque. Não existe "mão-de-obra" adicional para dar conta da demanda.
O argumento do Pentágono é o de que as medidas extraordinárias são necessárias para que a estratégia de escalada da guerra tenha tempo para ser bem- sucedida. Dezenas de milhares de soldados estão realizando seu terceiro "tour" no Iraque e Afeganistão.
Além da extensão do tempo de permanência do Exército regular, o Pentágono anunciou que duas importantes divisões serão despachadas de volta para o Iraque com menos de um ano de descanso.
Uma delas, a Quarta Divisão de Infantaria, de Fort Hood, Texas, está retornando após apenas sete meses em casa. O objetivo do Exército é dar a uma unidade pelo menos dois anos em casa para descansar e treinar antes de voltar ao combate.
Em razão das guerras no Iraque e Afeganistão, o período já fora reduzido para um ano e mesmo este critério está sendo agora violado. Um porta-voz do Pentágono foi direto ao alvo: "É reflexo das realidades que existem neste momento".
O general da reserva, Jack Keane, um dos arquitetos da escalada no Iraque, disse ao jornal "Los Angeles Times" que a extensão do "tour" de combate sempre foi vista como inevitável. Além dos riscos para o moral e retenção de soldados no Exército, outro resultado é que menos unidades serão mantidas dentro dos EUA para reagir a outras crises em potencial.
Danos permanentes
Um dos principais críticos da escalada iraquiana é o senador republicano e veterano do Vietnã, Chuck Hagel. Ele advertiu que as novas medidas poderão acarretar danos permanentes aos militares.
Apesar dos riscos, o Pentágono garante que os níveis de retenção são sólidos no Exército formado por voluntários, já que o serviço militar obrigátorio foi abolido nos anos 70.
Uma arma de retenção é o bônus mais generoso. Em 2003, foram distribuídos US$ 85 milhões. No ano passado, US$ 735 milhões.
O general da reserva William Nash, hoje no Council on Foreign Relations, em Washington, reconheceu que manter unidades no Iraque por mais tempo pode fazer sentido nas operações de contra-insurgência e tarefas de pacificação, pois as tropas ficam mais familiarizadas com o terreno. Em contrapartida, um soldado americano no seu terceiro "tour" no Iraque terá visto mais combate do que muitos na Segunda Guerra Mundial.
Nash previu que, embora os números de recrutamento e retenção ainda sejam sólidos, muitos soldados podem decidir encerrar a carreira militar antes ou depois do próximo giro no Iraque. O custo entre oficiais é flagrante.
O jornal "Boston Globe" noticiou estatísticas compiladas pela Academia Militar de West Point mostrando que turmas recentes estão deixando o Exército em uma escala que não se via desde o final da Guerra do Vietnã. Em janeiro, 54% oficiais da turma do ano 2000 tinham abandonado o serviço ativo.
Há um abandono igualmente grave. Com os americanos lutando em duas guerras, o número de desertores está aumentando. Estatísticas do Pentágono divulgadas na semana passada mostraram que o número de deserções aumentou nos quatro anos antes dos ataques de 11 de setembro em 2001, caiu nos três anos seguintes, mas nos útimos três, de guerra no Iraque, subiu de forma acentuada.
Os números, porém, ainda não críticos e as deserções afetam menos de 1% da força ativa do Exército de 507 mil soldados. Em 1971, na Guerra do Vietnã, a taxa de deserção chegou a 3,4%.
Em termos táticos, o governo Bush e seus aliados republicanos no Congresso calculam que talvez tenha sido até melhor a fuzilaria imediata de notícias desagradáveis sobre o esforço de guerra, em particular no Iraque.
Anúncios gradativos poderiam ser ainda mais desgastantes em meio a escalada da campanha para as eleições de 2008 e o cenário de crescentes deserções dos eleitores para o Partido Democrata.